quarta-feira, 25 de março de 2015

As Pedras de Elementra - Parte 2. Capítulo 22.


22. A pós-vida e ressurreição de Ariel Neville.

Mellany não era a única em choque. Eu passei de um tonto atordoado para um dragão enfurecido, e foi uma ótima maneira de pegar Mellany de surpresa, afinal.
Transformei minhas mãos em garras e a prendi pelo pescoço, a ponto de estrangulá-la.

-Brincadeirinha. - soltei um riso abafado - Mas a parte da pilha de cinzas era séria.

Eu não havia me deixado levar, como dá para perceber. Bastava usar um pouco de descontrole emocional com equilíbrio físico, junto de uma pitada de atuação, e você engana os vilões fazendo-se passar por um dragão poderoso sem controle. 

-Eu não vou usar Flamus. Não ainda. - olhei para trás, todos estavam com uma expressão de alívio em seus rostos - Permissão para executar?

Criei torres de fogo ao meu redor, prendendo Mellany contra elas, só por segurança, enquanto aguardava uma resposta. Melody e Kathryn se entreolharam e mandaram um sinal positivo para mim, não que eu tivesse muita dúvida de sua resposta.

-Nada pessoal, mas você é bem estúpida. - cravei minhas garras profundamente em sua garganta.

-Estúpida...? - ela tinha uma certa dificuldade para falar agora - É fácil dizer isso... Você não foi trocado... Por alguém que não devia nem existir!

Ela tocou as mãos em meus ombros. Uma dor agoniante se espalhou por meu corpo a partir de lá, fazendo-me perder parte de minha força. As mãos dela inverteram a temperatura de meu corpo, tanto meu sangue quanto o resto de meu corpo estavam congelados. Todos os meus movimentos foram travados.
Mellany passou as mãos pelos meus braços até minha mãos, soltando-se então e escapando pelos pilares de fogo, agora quase apagados.
Sem perder tempo, Gar pulou em sua direção e a impediu de prosseguir.

-Quer ser o próximo? - ela esfregava seu pescoço danificado.

-Vamos, Selion! Desperte o poder! - Gar repetia.

Eu não podia, não era o momento. Tanto Aron quanto Mellany podiam ter uma noção de minhas capacidades, mas lembro-me das palavras de Gar, àquela noite. Ele não terminara o serviço, não extraíra toda a informação contida em minhas memórias. Havia uma chance em um milhão de Aron ser pego desprevenido por um golpe meu, usando toda a minha força.

-Aron, já não está na hora? - Mellany fitava Gar, respondendo a cada movimento dele.

-Aguente só mais um pouco, e você se tornará a Deusa do novo mundo! - Aron respondeu-a.

-Mal posso esperar. - Mellany passava a mão pelo seu pescoço diversas vezes. Na última, não havia mais ferimento algum.

Eles esperavam algo. Estaria Aron com todo o seu poder agora? 
É horrível não ter ciência dos planos inimigos. Os caras maus não costumam desabafar e contar todo o plano antes de começar a atacar?!

-Não esqueça de mim, anjo bipolar. - Lucius ergueu sua foice, tendo sua cara deformada ainda mais, tornando-se mais demoníaco a cada palavra - Eu já lhe dei tempo o suficiente. ENFRENTE-ME!

As asas de Aron abriram-se ainda mais, exibindo um alerta luminoso de perigo para mim. Eu conseguia detectar uma batalha iminente. Dito e feito, Lucius usou o chão para tomar impulso e pulou contra Aron, abrindo uma grande cratera onde costumava ser o chão que Lucius pisava. 
Como um míssil, o demônio foi disparado com sua foice pronta para arrancar o pescoço de Aron. 
Aproveitando a situação, Melody aproximou-se de mim e reverteu a temperatura revertida de meu corpo para a temperatura ideal, do mesmo modo que Mellany fizera. Por algum motivo, eu me sentia constrangido em ter meu braços e pernas apalpados daquele jeito, mas era preciso, ou então eu meio que morreria. 
Um grande crash cancelou todo e qualquer movimento do lugar. Todos pareciam tensos a minha volta. Depressa, virei meu rosto até Aron e Lucius, a ponto de ver o início de sua luta, e, provavelmente, o fim dela. 
Lucius agora tinha um visual demoníaco completo, com direito a chifres maiores, inclusive dois saindo de sua boca fazendo uma curva, um para cada lado, e duas asas de morcego caindo aos pedaços, como se alguém o tivesse baleado. Mas seu visual não importava muito, pois de nada prestava parecer mau quando se está parado no ar. Completamente imóvel, com sua respiração pesada levemente imperceptível.

-Não pode contra o poder absoluto. - Aron aproximou-se dele e tirou a foice de suas mãos - Você não merece esta arma. 

As pedras começaram a vibrar, movendo-se lentamente ao redor do corpo de Aron, até montarem uma nova formação. Agora elas estavam agrupadas em duas linhas, cada uma com três pedras, uma de cada lado do corpo, seguindo a linha de suas asas negras, dando múltiplas cores a elas.

-Não preciso delas para cuidar de alguém como você. - suas asas começaram a bater.

Eu observava sem palavras. 
"Não devo me deixar amedrontar! Todos contam com você!" eu me dizia por pensamento, mas era difícil manter uma postura positiva nessa situação.

-Death. - sua voz angelical distorceu-se, curta e áspera, como duas pedras sendo raspadas uma na outra em cima de meu ouvido.

Após ouvir a palavra, Lucius começou a grunhir de agonia. Grunhidos que se tornaram rugidos, passando para berros de dor logo em seguida. 
A foice de Lucius começou a girar no ar, após ser lançada por Aron. Todos nós estávamos pasmos enquanto assistíamos Lucius ter suas costas abertas por alguma força invisível. Após revirar seus olhos, fazendo um trajeto ao redor do demônio, a foice desceu, obedecendo ao mesmo caminho percorrido pelos olhos de Aron, finalizando com um golpe nas costas de Lucius, derramando litros de sangue no chão.

-Não, não morra, "irmão". - a voz de Aron voltara, a voz angelical aparentemente montada para soar perfeitamente - Você tem uma chance de contar para seus "amigos" com quem eles estão comprando briga.

Duas pedras brilharam ao mesmo tempo. O sangue derramado no chão começou a levitar, gota por gota, entrando dentro do corpo de Lucius por seu nariz, boca, olhos, ferimentos e outras partes não amostras, curando seu corpo durante o processo.

-Falar com eles é perda de tempo. Estes infantos devem morrer! - Mellany protestava.

Aron deu de ombros.
"Qual é seu objetivo afinal? Se a intenção era me deixar confuso, bastava me dar um cubo mágico!"

-Como é? Tenho que contar sua bibliografia?! - Lucius rosnou de raiva, sombras começaram a sair de seus olhos, como lágrimas, porém em forma gasosa.

-Eu estou dando uma chance para você. Quer viver? Convença-os a desistirem. Você pode fazer isso? Ou você é mais inútil do que eu pensava? - Aron o fitava, movendo a foice ao redor de seu corpo.

Instintivamente, Gar e Gen deram um pulo, trocando olhares logo em seguida. Uma fagulha pareceu acender-se nos olhos dos irmãos, e ambos fecharam os olhos ao mesmo tempo. Eu não fazia ideia do que estava para acontecer.
Ao desviar o olhar da cena, lembrei-me de Polar e Magna. Eles continuavam no mesmo lugar, mas agora flutuando no ar, semi-imóveis. Um fio de eletricidade saia de suas cabeças e davam uma volta em seu corpo, encontrando-se no meio dos dois, numa batalha por supremacia. 
"Tenha cuidado, Magna."

-ESTÁ BEM! - Lucius gritou furioso.

Com um sorriso maldoso, Aron moveu sua mão até Lucius e tocou sua testa. 
Lucius começou a cair, até estatelar-se no chão. Ao se levantar, sua garra demoníaca estava crescida, duas vezes maior que seu corpo.

-Vejam isto. - ele levantou seu braço com a palma da mão amostra.

Até mesmo Mellany não se deteve a dar uma olhada.
Logo desejei não ter visto aquilo. No meio da palma de sua mão, um olho asqueroso nos encarava de volta. Era completamente negro, e seu pupila era uma fenda escura, como o olho de uma cobra, porém na cor azul vivo. 

-E com isso, damos fim a esta guerra. - Aron moveu seus dedos e um cigarro apareceu, aceso, em sua mão.

-É claro que não, nós temos um De... - Gar me notou e pareceu travar - ...dever a cumprir com a sociedade deste planeta! Não podemos perder enquanto não cumprirmos a dívida por tacar fogo na Suécia e... Hm... Isso nos faz... Vencedores?

-Quê? - eu, Ingo, Melody e mais algumas pessoas falamos ao mesmo tempo.

Tudo ficou escuro e frio, de um segundo para o outro, e fui privado completamente de minha visão. Alguns gritaram de espanto, outros começaram a chamar por alguém, mas eu fiquei quieto. O olho da mão de Lucius tomou forma na minha frente, começando a inflar-se como um balão. A fenda de seu olho tornou-se maior, até eu começar a ver alguma coisa dentro dela. Ao me aproximar, alguém me empurrou em direção do olho, fazendo me cair no meio da escuridão.
Abri minhas asas na tentativa de voar para longe, mas meu corpo não me obedeceu. Não lutei, me deixei levar. Como eu estava ali e não podia voltar, me convenci a esperar e ver aonde iria parar. Fechei meus olhos e esperei.


...

Quando abri os olhos, eu estava em um campo gramado vazio. Eu não sabia onde estava, nem como eu havia parado ali, muito menos como eu estava de pé. 
Acima de mim, o céu noturno exibia suas estrelas brilhantes, enquanto a luz pálida da lua iluminava meu arredor. 

-Alguém? Melody? Kathryn? - chamei.

Eu não esperava uma resposta, muito menos a obtive, mas eu comecei a ter medo de ficar presos em ilusões mentais a um tempo.

-Por aqui! - uma voz avisou, atrás de mim. 

Virei-me rapidamente, esperando ter um encontrão com soldados inimigos. Para minha surpresa, não havia inimigos, somente um jovem de cabelos negros, sendo seguido por uma garota, enquanto subiam a pequena colina em minha direção. Por algum motivo, a garota parecia subir mais devagar, tendo de ser ajudada por seu acompanhante.

-É este o lugar. - o garoto segurava um lampião em sua mão esquerda, e uma cesta na mão direita.

A luz da lua combinada com a do lampião me permitia ter detalhes de seu rosto. Aparentava ter cerca de 16 anos, um pouco mais jovem que eu, e tinha uma estranha cicatriz em seu rosto, no meio da testa.

-O lugar é realmente bonito! - a moça respondeu com um suspiro.

-Com licença? Eu gostaria de perguntar que lugar é este. Não precisa ser muito específico, só o país já é sufi...- comecei a falar mas parei ao perceber que nenhum dos dois olhava para mim - Não conseguem me ouvir, não é?

Eles não esboçaram qualquer reação.

-Por que eu não me surpreendo?

Sentei na grama e esperei algo acontecer. Deixei as coisas acontecerem a minha frente, o que eu visse seria visto e fim da história. Alguma hora eu sairia de lá sozinho.
O jovem e a moça armaram um pequeno piquenique abaixo da lua, e começaram a conversar, a rir, e depois a comer. Eu me sentia estranho, por estar sendo obrigado a segurar vela enquanto assistia dois desconhecidos em um encontro.

-Ei, algum de vocês não está a fim de explodir? Seria mais emocionante. - eu gritei, obviamente brincando.

Eles terminaram seu lanche e deitaram-se na toalha a pouco estendida no chão e começaram a falar baixinho. Tive de me levantar e chegar mais perto para ouvir.

-O quê vai acontecer agora? - o jovem de cabelos escuros perguntou. 

-Eu não tenho certeza. - a moça enrolava o dedo no cabelo, em sinal de aflição.

Agora, perto deles, eu conseguia distinguir o rosto da menina. Sua aparência parecia mais jovial que o de seu parceiro, e seus cabelos curtos eram pretos, igualmente ao menino. Ela vestia um vestido marrom comprido até os pés, e sob seu peito estava um colar de prata com o formato de um coração partido. O menino também tinha um colar daqueles, embora desfigurado, de modo que eles nunca encaixariam-se um no outro. Por sua vez, ele vestia uma farda branca por debaixo de um casaco bege desabotoado, com uma calça desbotada e surrada cobrindo a parte inferior do corpo.
Pensando com clareza, seus trajes pareciam antigos. Roupas, aproximadamente, dos anos 10, talvez. Bom, o quê eu quero expressar é o seguinte: as roupas não eram atuais.

-Você sabe meu destino, Ariel. Eu não duvido que ele seja realizado em breve. - a menina tossiu algumas vezes.

"Ariel? Isso não é nome de mulher?"
Pelo jeito que falavam, aquilo tudo parecia ser uma despedida. Talvez a moça fosse partir para outro lugar, até aí tudo bem, mas aonde Aron, as pedras e a guerra se encaixa nisso?

-Eu não quero acreditar nisto. - Ariel sussurrou, se este era de fato seu nome, eu ainda não estava seguro em relação a isto - Vamos aproveitar nosso tempo juntos, por favor. Se a hora chegar, estarei feliz em fazer o possível para ajudá-la na travessa para o mundo superior.

-E por que tem tanta certeza sobre meu caminho? Como pode estar tão inexpressivo num momento como esse? - seus olhos começaram a lacrimejar.

-Eu estou chorando rios por dentro, embora não possa me expressar. - as mãos de Ariel encontraram as de seu par - Você conhece a mim, Melorry. Preocupá-la em um momento como esse com demonstrações de perda só iria trazer tristeza a você. E então, você temeria partir, não estou certo?

Meu corpo congelou. Aquele nome, aquele rosto... 

-Você será feliz sem mim? - Melorry, a moça de cabelos negros, perguntou, com lágrimas percorrendo seu rosto. 

-Amarei-a para sempre. - Ariel sorriu, os olhos molhados com suas lágrimas.

-Eu tenho tantas perguntas... - ela tentou limpar seu rosto, mas não conseguia parar de chorar.

Ariel abraçou-a então.

-Vamos viver o máximo que pudermos juntos, meu amor. E... Se você não aguentar... Eu prometo nunca esquecer-te. Estaremos ligados para sempre. Quebraremos qualquer barreira, espiritual ou material, tentando nos separar. Eu juro. 

-Você é tão sonhador. Acha isto realmente possível? 

-Descobriremos quando a hora chegar. Até lá, não pense assunto. - Ariel passou a mão por sua cabeça, acalmando-a.

-Melody. Mellany. Melorry. - eu juntei.

A menina era extremamente parecida com Melody e Mellany, as duas irmãs gêmeas. Com exceção de alguns traços diferenciados de seu rosto, as três juntas eram reflexos idênticos de si mesmas. Mas essas exceções me deixaram seguro, abandonando uma hipótese assustadora.
A luz da lua começou a piscar, tornando-se fraca, quase imperceptível. O lampião era a única fonte de luz agora, mas para meu azar, alguém o apagou poucos segundos depois.
Criei uma chama com minhas mãos, tomando cuidado para não invocar Flamus acidentalmente. Nenhum sinal de Ariel ou Melorry.

-Alô? Se resolveram passar a me ouvir, é uma boa hora pra falar!

Sem resposta. Uau.
A chama se apagou e uma rajada de vento me acertou, quase cortando minha respiração. Comecei a cair novamente.


...

Alguns segundos passaram, ou minutos, talvez horas. Quem sabe? Minha noção de tempo era tão ruim quanto de altura.
Ao pisar em algo sólido, me vi em outro lugar. Agora eu me encontrava em uma cidade antiga, com ruas de terra e automóveis pitorescos. Dei uma boa olhada ao meu redor. As vestes das pessoas assemelhavam-se às de Ariel e Melorry, embora menos surradas. As construções eram variadas. Algumas eram feitas de madeira, outras de pedra. O sol brilhava como nunca acima de mim, dificultando um pouco minha visão.
Próximo a mim, havia uma espécie de igreja de madeira, imensa, com um monte de pessoas espremendo-se para entrar. Curioso, me aproximei. Tentei chamar a atenção de alguém, mas lembrei-me de minha condição em relação aos demais. Tentei atravessar pela pequena porta de madeira, mas não era necessário. Ao tocar em uma pessoa, minha mão foi atravessada até o outro lado. Contornei a situação e passei pela parede, me sentindo um fantasma.

-E com isso, declaramos agora Ariel Neville como o consagrado padre de nossa Igreja! - um senhor idoso, usando uma túnica, fez o sinal da cruz com suas mãos, abençoando Ariel, de pé ao seu lado.

Não sei se era pela barba, pela altura, ou por estar se tornando um padre, mas logo percebi que Ariel agora estava mais velho. Procurei por sua acompanhante, Melorry, ao redor. Nem sinal dela.

-Obrigado, padre Osir. - Ariel agradeceu.

Ele vestia trajes semelhantes aos do padre, embora suas roupas parecessem um pouco largas para ele. Seu nervosismo era notável, mas mesmo assim, Ariel parecia muito contente, realizado, como se estivesse começando a viver o resto de sua vida da maneira perfeita, pelo menos para ele.

-Não pensem em mim como um padre, por favor. - ele pediu - Meus objetivos são claros: fazer o possível para espalhar a paz e a mensagem de Deus a todos, mas não limitarei-me a isto. 

E assim, Ariel iniciou um discurso sobre benefícios de utilidade pública. Pelo visto, naquela cidade, seja ela qual for, a igreja tinha um poder parecido com o do Governo, podendo assim levantar obras arquitetônicas, por exemplo.
Ariel começava a falar da reformulação de sua querida igreja, pois "o povo merece o melhor". De fato, o lugar estava realmente acabado. Além do espaço apertado, as paredes estavam cedendo. O sino preso no teto parecia prestes a cair. Eu chegava a ter pena das pessoas sentadas no centro das fileiras.
Então, uma enorme batida interrompeu seu discurso religiopolítico. Uma dúzia de homens parrudos e com caras péssimas (além de feias, é claro) irrompeu o salão da igreja. Ariel ficou aflito, e começou a acalmar a população assustada.

-Ora, ora, ora. Então o mauricinho virou profeta, vejam só! - o maior homem, o no centro de todos, zombou.

Ele tinha um espesso bigode na cara e usava vestimentas de caubói, equipado com chapéu e botas típicas. Todos os outros usavam roupas parecidas, mas o que sobressaía seu líder era sua insígnia em forma de estrela, típica de xerife. A única diferença era a cor. A insígnia era preta como carvão, da mesma cor da pele do homem.
Até mesmo os homens que não tinha afrodescendência estavam com a cara preta, suja por alguma coisa, provavelmente óleo. Eu não conseguia identificar em que época eu estava.

-Não se preocupe, irmãos, vou dar um jeito nisto. - Ariel atravessou o salão e ficou cara-a-cara com o homem.

-Olhem só, o homem de vestido pensa que pode com a gente. - e então, começaram a rir.

-Peço para parar com o tumulto, estamos no meio de uma cerimônia importante. Então se os cavaleiros pudessem se retirar, sei que certamente serão recompensados em um futuro próximo. - Ariel pediu, evitando provocar qualquer briga, pensando duas vezes em cada palavra.

-Não precisamos de recompensas. Afinal, o quê é melhor do que ver você ser humilhado por seus "discípulos"? - um dos homens do fundo gargalhou.

-Você o ouviu, padre Ariel. Oh, desculpe, Irmã Ariel. - o líder deles começou a rir.

-Como podem falar assim com um homem bom e respeitoso como ele? - alguém berrou do meio dos bancos.

-Ele não fez nada a vocês, deixem-no em paz! - outra voz reclamou.

-Vou chamar a polícia! - mais uma voz entrou para a briga.

-CALADOS! - o líder gritou, batendo o punho contra a parede, fazendo o lugar tremer - Vocês vão colaborar com o que dissermos, ou então vamos pôr tudo abaixo, junto da vida de vocês!

Todos começaram a falar ao mesmo tempo, preocupados com seu destino, sem saber o que fazer. Ariel, por outro lado, parecia muito decidido.

-EU DISSE PARA CALAREM A...

-Cale você. - Ariel o interrompeu - Não vou permitir que faça isto com a nossa Igreja, muito menos com a vida destas pessoas! Você já atormentou essa cidade por tempo demais, não vou tolerar mais esses maus tratos! 

Todos estavam chocados. Ele estava realmente decidido, pondo a situação dos moradores da cidade na frente de sua pele. Não há dúvidas do quão boa pessoa Ariel era.
Os homens começaram a conversar entre si, e um sorriso ameaçador brotou no rosto do líder.

-Apareça no limite da cidade hoje. Vamos acertar as contas. Presente, passado e futuro. - dito isto, todos os homens saíram, socando a porta antes de sair, abrindo um buraco na madeira.

-O quê vai acontecer agora, padre...? - uma criança se aproximou, preocupada.

-Não ai de se preocupar. Vai dar tudo certo, você verá. - ele escondia muito bem seu medo - É em momentos brutais como esse que devemos manter a esperança. Pensar positivamente! Levantarmos nossas cabeças e dizermos: Eu acredito que Deus nos salvará desta situação. Nosso bom Pai sempre guarda um futuro brilhante para aqueles merecedores, não é mesmo? 

Somente com estas palavras, Ariel conseguiu extinguir toda a angústia e a sofrência, fazendo todos ficarem empolgados como antes. Mas algo mudara em Ariel. O brilho em seu olhar não era mais de realização, mas sim de medo e ódio. Eu não sabia sobre sua história, mas estava prestes a descobrir.
Meus olhos ficaram irritados de repente. Fui obrigado a coçá-los. Quando os abri novamente, não havia mais igreja alguma. Eu estava em um campo de grama alta, aparentemente nunca cortada, perto de uma placa escrito: "Volte sempre!". O limite da cidade.
O sol já estava se pondo. Eu perguntava-me o quê aconteceria agora. 

-Ele vai fugir. Você conseguiu amedrontar ele de verdade, chefe! - um dos homens brincou, com uma voz fina, o quê não combinava nem um pouco com seu corpo másculo.

-E quando eu não amedronto? Ninguém pode contra mim, ninguém pode se opôr! - o chefe bateu no peito do amigo, fazendo-o recuar.

-Claro, sim, chefe. 

Eu não os havia notado antes. Perto deles, estava um conjunto de motos estacionadas em fileiras no meio da rua. Nenhuma pessoa consciente passaria por ali.
Uma sombra se ergueu pela luz do sol poente. Ariel se aproximava, vestindo agora roupas comuns, ao invés da túnica.

-Vejam só. Pelo jeito a mamãe não aceitou alguém em casa! - o chefe da gangue começou a gargalhar.

-Eu não vim brigar, mas sim pôr um fim nisto. Eu não estou relacionado a vocês e vocês não estão comigo, cada um segue seu rumo, sua vida, e eu não conto para as autoridades o quê vocês têm feito com esta cidade. - Ariel emitia um olhar sombrio, ele não estava de brincadeira.

-Com pôr um fim nisto, eu quis dizer BRIGAR pela posse da cidade. - os homens deram passos a frente, após as palavras de seu líder.

-Não vou me intrometer em seus assuntos e vocês não fazem nada contra a cidade. Este povo é bom, são seus irmãos e família, não há porque atormentá-los! - Ariel manteve-se no mesmo lugar.

-Quanta bobagem! Vamos acabar com ele! - um dos homens, o mais baixo entre eles, berrou.

-Deixem-no ir. - o chefe ordenou - Darei a você um prazo. Ou você desiste de tudo e nos enfrenta, ou daremos um fim a você. De qualquer forma, você não sobrevive.

E então, o chefe marchou até sua moto e subiu em cima dela. Eu não entendia o porquê da mudança tão repentina de ideia, a poucos segundos ele estava pronto para atacar Ariel junto de sua tropa. 

-Da próxima vez que nos vermos, você não sai vivo! - outro homem falou, subindo na motocicleta ao lado do chefe.

E então, todos ligaram seus veículos. Zumbindo, todos dirigiram para dentro da cidade, com os motores explodindo. Cortaram caminho por Ariel e deixaram o lugar, todos os seis homens, deixando-o para trás, arrasado.

-Não há com o quê me preocupar, não é? - ele disse para si mesmo, mais sério do que nunca - Eu confio em você. Sei que me protegerá. Minha hora ainda não chegou.

E então, olhou para trás e foi embora, deixando-me sozinho no crepúsculo vespertino.


...

Quando percebi, estava de volta na igreja. Nada parecia fazer muito sentido. Eu conseguia notar semelhança entre Melody e Melorry, mas e quanto a Ariel? Era para ele ser Aron? A única semelhança vista era seu nome. 

-Você voltou! Como foi? Conseguiu curar a maldade de seus corações? Geralmente você consegue fazer isto com as pessoas. - uma mulher se aproximou dele, provavelmente uma voluntária da igreja ou amiga de Ariel.

-Não. Certos casos são mais difíceis de lidar. - ele desabou em cima de uma cadeira, exausto.

-O quê vai acontecer agora? - ela quis saber. 

-Eu não sei, Denise. Mas sei que tudo acabará bem, eu confio no nosso bom Senhor. - Ariel permanecia com seu olhar sombrio, mesmo dizendo aquela frase.

Poderia ser impressão minha, mas dava para sentir o medo em sua voz.

-Me desculpe, padre Ariel, mas está ficando tarde... Eu sinto muito por não poder assessorar você. - ela se desculpou.

-Tudo bem. Vá para sua família, vai ficar tudo bem. - ele deu um sorriso para ela.

-Oh, obrigada! - e então Denise saiu, segurando uma grande bolsa vermelha desbotada.

Ariel suspirou.
Ao contrário de mim, ele não percebeu a presença de outra pessoa aproximando-se das sombras. Tentei avisá-lo, mas lembrei de minha condição. Tive de sentar e esperar ele notar. Não iria demorar, pois de passo em passo, a pessoa se aproximava silenciosamente.

-Você não é bom o bastante. - a pessoa sussurrou.

Ariel percebeu. Ao tentar virar-se para trás, a pessoa aproximou-se rapidamente e lhe deu uma facada no coração, partindo das costas, com uma enorme faca de açougueiro. Agora, fora da escuridão, eu conseguia ver o assassino. Era o antigo padre da cidade.

-Sinto muito, Ariel. Mas você não é o bastante. Deus merece o melhor representante possível para transmitir sua mensagem, e você não se encaixa nesta descrição. - Osir, o padre, disse após retirar a faca de dentro de Ariel - Eu realmente sinto muito. Mas olhe pelo lado bom, é o quê você fazia, não é? Agora você está mais próximo do Senhor do que qualquer um aqui.

Ariel estava morto. Eu vira seu assassinato, e estava chocado. Padre Osir era um homem velho, com uma longa barba e olhos azul-claro. Ele ainda vestia a mesma túnica da tarde anterior, mas agora, haviam pequenas manchas vermelhas sobre ele, o sangue de Ariel. Talvez somente sua aparência era idosa, pois para fazer aquilo com Ariel, era necessário ter um punho firme e forte. Vendo por seu rosto, ele jamais faria isto. Diferente de certos homens que eu conheço.
Tudo começava a encaixar-se.


...

-Cavem mais rápido. - Osir pediu.

A poucos segundos, a igreja abandonara o cenário, sendo substituída por um campo de gramas verdes. O mesmo onde eu estivera mais cedo, o mesmo onde Ariel e Melorry haviam tido um "momento" junto.
Notícias da vez: o padre é corrupto, não passava de um fanático religioso enganando a população; os homens? Trabalhavam para ele, e agora cavavam o túmulo de Ariel.

-Depois disto, suas dívidas com a cidade estarão pagas, vou me certificar disto com certeza. - Osir afirmou.

-Obrigado, padre Osir. - o homem de voz fina respondeu.

Eu continuava vendo-o como uma aberração da natureza, mas logo esqueci disto.
De tufo de terra em tufo de terra, uma cova retangular foi aberta. Havia um caixão de madeira podre ao lado dos homens, certamente Ariel encontrava-se lá. 
Todos os homens reuniram-se em um círculo e levantaram o caixão, embora somente dois deles já fossem mais que o necessário. Sem ter um pingo de cuidado, jogaram o caixão cova abaixo, começando imediatamente a tapar o buraco.

-Espere. - o líder parou - As pessoas perguntarão sobre ele. O quê dirás?

-Darei um jeito, vocês verão. - dito isto, o padre pôs se de costas e tomou a andar na direção contrária, voltando à cidade. 

-Sinto um mal pressentimento. - um dos homens disse.

-Ele não mentiria para nós, não é? - outro indagou.

-Bom, já sabemos para quem ele mentiu. - o chefe apontou para a cova de Ariel.

Todos saíram, deixando o lugar sozinho e quieto.

-E agora? - sussurrei para mim mesmo.

Sentia-me muito triste por Ariel. Ele só teve boas intenções, desde o início, e então, acabou daquele jeito trágico. Pessoas como Ariel mereciam algo melhor, tenho toda a certeza disto.
A lua brilhava mais intensamente no céu, e eu a observei. Esperei o cenário mudar, mas nada aconteceu.

-Ahn... Lucius? Passa a fita! - pedi, temendo estar preso em um campo a noite com um corpo morto a poucos metros de distância - Alguém?

Ninguém.
Deitei-me no gramado e tornei a observar as estrelas. Reconheci a constelação de Câncer entre elas. Durante um bom tempo, o céu noturno tem sido um grande amigo meu. Eu obtivera certa experiência em constelações, afinal.
Meu momento reflexivo teve de ser interrompido. As estrelas começaram a mover-se depressa, junto da lua. Em menos de um minuto, o céu estrelado tornou-se claro, com várias nuvens encobrindo o sol. A visão não durou, pois logo a lua tomou lugar novamente, quando o sol veio a pôr-se. O tempo estava passando rápido, rápido demais.
Ao levantar-me do chão, notei a grama. A poucos minutos, era bem tratada, rente ao chão, um belo de um gramado. Agora, estava muito alta, chegava quase ao meu joelho. 
Uma placa brotou do chão. De certo, alguma pessoa a deixou lá, mas o acontecimento fora muito rápido para eu notar. A placa dizia: "Cuidado, perigo de cobras!" e mostrava a imagem de uma cobra mal desenhada logo embaixo. Era uma precaução, para certificar a permanência de Ariel em seu túmulo, onde estava enterrado em segredo.
O tempo continuou a passar. A chuva passou. A neve passou. As estações passaram uma a uma. Eu perdi a noção de "agora". 
De onde estava, acompanhei o crescimento de uma árvore e da grama. Tudo continuou normal, até a placa começar a tremer. O tempo estabilizou-se, passando devagar enquanto a placa era lentamente derrubada, como se algo ou alguém a empurrasse.
Aproximei-me devagar, preparado para levar o susto de um Ariel zumbi. Não havia zumbi algum, ou qualquer animal que fosse. Só havia terra e grama. Afastei-me devagar.

-Sinistro. 

Os dias continuaram. A próxima parada foi durante uma tempestade violenta. Os relâmpagos clareavam a noite de dez em dez segundos e os trovões me faziam tapar os ouvidos por seu som alto demais. Quando a chuva parou, reparei no gramado ao redor do túmulo de Ariel. Estava podre, morto. Com certeza não era culpa da chuva.

-Você garantiu sua liberdade, Ariel. És digno e capaz. - uma voz falou, parecendo vir de cima.

As nuvens de chuva rapidamente foram embora, permitindo ao sol queimar minhas retinas. Amo vocês, nuvens. 

-Quem falou? - perguntei, sem esperar uma resposta.

Eu não duvidava, e acabei acertando. Sem resposta.
De relance, jurei ter visto uma pessoa em pé acima de seu túmulo. A alguns meses atrás, caso eu presenciasse esta cena, provavelmente eu pensaria em se tratar de uma miragem, ou uma ilusão criada pela luz do sol ofuscando meus olhos, ou até mesmo uma pegadinha, em último caso. Porém, eu já vira monstros, um homem-cobra, psíquicos, feiticeiras e uma vampira, só para começar. Nada mais poderia me surpreender.
A luz do sol aumentou. Não era impressão, o astro estava literalmente tentando queimar minhas retinas agora. Fechei os olhos com força e esperei a luz passar.


...

Ao abrir os olhos (após um longo momento de espera), me vi sobre as nuvens. Aonde mais eu ainda iria antes de voltar para a guerra? Eu estava começando a me preocupar. E quanto ao meu corpo? Aquele era realmente eu? Ou minha mente estava presa nesses slides em 3D?

-Você foi escolhido entre muitos, Ariel Neville. - a mesma voz falava com alguém.

De início, não pude ver com quem estava a falar, mas com o tempo, Ariel apareceu na minha frente, virado de costas para mim. Havia uma argola flutuante acima de sua cabeça. Em algum momento, as roupas de Ariel foram trocadas para uma túnica branca.

-Onde estou? Que lugar é este? - ele girava suas mãos, incrédulo.

-Você está no andar de cima. Presenteei sua alma nobre com um pedaço do céu. Este lugar você pode chamar de seu. - a voz prosseguiu.

-Então, seguindo a lógica... Você é...?! 

-Não, sinto informar-lhe. Você pode me chamar de... Lord.

Fiz um esforço extra para gravar esse nome. Talvez venha a ter alguma utilidade mais tarde.

-Para quê fui escolhido, "Lord"? - Ariel indagou.

-Pois sua alma merecia. Aqui você terá acesso a tudo. Poderá saciar qualquer vontade, fazer o impossível. Só tem de aproveitar seu lugar especial. - a voz o instruiu.

Ariel não parecia satisfeito. Algo o incomodava.

-Senhor, eu não entendo! 

-Você irá entender. - a voz de Lord ecoou até se tornar distante e desaparecer.

Ariel não tentou mais falar. Somente deu uma volta pelo lugar, apreciando sua paisagem. Ele estava em uma espécie de parque acima das nuvens. O chão era branco, parecendo mármore, mas nos seus limites era possível ver um amontoado poeira branca, mais semelhante a algodão, para ser preciso.
Havia uma fonte de água no meio de tudo, e algumas mobílias brancas espalhadas, como cadeiras e mesas. Era um lugar solitário, embora espaçoso. Era possível dar uma grande festa lá em cima, caso Ariel tivesse pessoas para chamar.
Ele encarou suas mãos. Estavam transparentes, como seu corpo. Eu demorei para notar seu rosto. Não era mais o mesmo, estava diferente. Outros traços e contornos, não era mais igual ao de antes. Assemelhava-se com o de Aron.

-Isto é a pós-vida? Eu mereço mesmo isto? - Ariel vagou até a ponta de seu "pedaço do céu" e observou a imensidão do mundo abaixo dele. 

Logo abaixo, era visível uma pequena cidade. Com certeza não era sua cidade de origem, mas Ariel pareceu interessado nela.

-Deveríamos nos encontrar agora, Melorry... - ele suspirou.

O tempo voltou a correr. Dia após dia, Ariel não fazia nada além de observar os humanos abaixo de seus pés. De vez em quando, a voz de Lord conversava com ele, mas o tempo passava rápido demais para eu conseguir distinguir as palavras.
Certas vezes, ele fazia movimentos com os braços, sem tirar os olhos de algum ponto específico no chão. Sempre que fazia isto, evitava alguma pessoa boa de ser ferida por algo ou alguém. 
Em uma das muitas noites, outras almas apareceram para falar com ele. Ariel virava-se para identificar a pessoa. Quando via quem era, simplesmente a ignorava e voltava a observar o chão, devotado à guarda das pessoas.
E assim o tempo seguiu e seguiu. Até o início de uma guerra. A segunda Guerra Mundial. 
Sem saber o que fazer, Ariel tentava comunicar-se com as pessoas. Ele pedia para repensarem suas ações, tentava salvar as pessoas em perigo, mas era inútil.
Ao fim da Guerra, arrasado, Ariel parou de prestar atenção nas pessoas, pela primeira vez desde que chegara ao suposto "céu".

-Ariel Neville. - a voz de Lord chamou.

-Sim, Lord? - Ariel perguntou tristonho pelas vidas perdidas.

-Preciso ter uma conversa com você. 

-Já estamos conversando. - grunhiu Ariel.

-Reconheço sua decepção. Lembra-se de quando eu lhe trouxe a este lugar? Lembra de minhas palavras? 

-Se refere ao "você foi escolhido entre muitos"? 

-Exato. - a luz do sol intensificou-se - Agora saberá o motivo. 

-Fale logo, já não aguento mais esperar e esperar! - eu reclamei, embora ninguém pudesse ouvir.

-Eu pretendo renovar este mundo. Tirarei toda e qualquer impureza, e irei reconstruir a humanidade. Desta vez, direito! 

-Reconstruir? Renovar? Mas as pessoas foram feitas perfeitas de seu modo. A guerra, a violência, o sofrimento... Todas estas coisas são ruins, mas necessárias. Sem caos, não há harmonia, certo? - Ariel não parou para considerar a ideia de Lord, já tomou-a como um absurdo.

-Eu digo que não. Vamos lá, Ariel. Você é inteligente o suficiente para entender. Eu escolhi pessoalmente uma lista de almas boas e puras, capazes de me ajudar na reconstrução do novo mundo. Você é uma delas. E deve ter conhecido as outras, não é mesmo? 

Ele não falava como um Deus, embora tentasse ser um. Eu começava a criar algumas teorias sobre esse tal de "Lord".

-A humanidade foi feita a partir da imagem e semelhança de seu Criador. Não irei opor-me a sua criação. A vida lá embaixo deve ser preservada, não mudada. - Ariel sentou-se, escorado no pequeno muro por onde se apoiara todos esses dias, semanas, meses, ou, quem sabe, anos.

-Mudar? Ninguém falou em mudar. 

-O quê pretende fazer então? - Ariel respondeu irritado.

-Exterminar! Destruir! Criar! Este é o conceito básico de um Deus. Você tem controle total sobre tudo e todos! - a voz de Lord soou um tanto quanto sonhadora.

-Pois saiba: você não é um verdadeiro Deus. Só há um, e ele com certeza não é como você. 

-Um único Deus? Faz-me rir. Você não tem um pingo de conhecimento etéreo. Podia ter aprendido muito durante todo esse tempo, ao invés de acompanhar a vida curta destes humanos defeituosos.

-EU fui um desses humanos defeituosos, está lembrado? - Ariel ergueu sua voz.

Por um momento, fez-se silêncio, até Lord enfim rompê-lo. 

-Pelo visto, errei sobre você. - o mármore onde Ariel sentava tornou-se negro - Apostei expectativas em você, muitas mesmo, Ariel. Decepcionou-me muito, é uma pena.

O cabelo negro de Ariel esbranquiçou-se até tornar-se cinza. A mesma tonalidade de Aron.
O mármore desintegrou-se, e Ariel caiu. Sua auréola, a argola antes mencionada por mim, ficou para trás, junto comigo. Minha visão não o acompanhou.

-Precisarei de outra fonte. - Lord disse por fim, antes de minha visão escurecer.


...


-Aonde eu estou? - Ariel perguntou, enquanto levantava-se. 

Não estávamos na Terra, de jeito nenhum. Quando Ariel caiu, ele não caiu no chão. Não caiu em cidade alguma, muito menos em algum outro campo gramado. Aquele lugar não era humano.
Só para começar: não havia céu. Onde deveria haver um sol, ou talvez uma lua cercada de estrelas, havia escuro absoluto, um completo breu. Forcei minha visão ao máximo para enxergar algo acima, mas era impossível. O teto se estendia e estendia, se é que existia, para um lugar onde a visão não pudesse alcançar.
A visão do solo também não era bonita. O chão era pura lama e sujeira, tendo uma imensidão de variados insetos percorrendo um lugar, alguns aparentemente desconhecidos (e eu tenho certa experiência em ser atacado por insetos). Havia fogo também, muito fogo. Tochas acendidas em vários lugares, sendo a única fonte de luz visível na sala onde Ariel encontrava-se. Não havia mais nada para ver ou notar. As paredes eram de rocha pura. 

-Alguém? - Ariel chamou.

-Sim? - um balcão surgiu no centro do lugar, cercado por tochas flutuantes de fogo negro.

Sentado do outro lado do balcão, estava um homem sério de pele pálida. Seus olhos demonstravam tédio puro, como se repetisse a mesma ação todo dia, durante um longo período de tempo. 

-Deviam instruir vocês, sabia? - ele rosnou.

Por suas olheiras enormes, eu podia arriscar dizer que o homem não dormia a, no mínimo, algumas semanas.

-Eu quero saber onde estou. - Ariel pediu.

-Sério isso? Pelamor... - o homem revirou os olhos.

Aproximei-me dos dois. Agora eu conseguia enxergar as roupas com mais clareza. Ariel agora vestia um traje surrado, composto de uma camisa sem mangas bordô e uma bermuda com a cor indescritível por tamanha sujeira, enquanto o homem do balcão vestia um terno escuro e tinha um crachá preso em seu braço, onde estava escrito: "Olá, meu nome é Martim." 

-Martim, então. Pode me dizer onde estou e o quê preciso fazer para sair daqui? 

Martim levantou a sobrancelha, encarando ele por um breve momento. Então, começou a gargalhar.

-Essa foi boa, ai ai. - Martim limpou seus olhos, embora estivessem secos, e voltou a seriedade de outrora - Agora conta uma de loira.

-O quê? Eu não estou entendendo.

-O único lado bom de ter minha função é ver a reação de vocês ao chegar aqui. Posso realmente me divertir um pouco. - ele bateu palmas levíssimas, como se não tivesse força em seu corpo.

-Pare de piada e responda, por favor! - Ariel suplicou.

-Você está morto e sabe disso. 

-Sim, estou ciente.

-Você esteve lá em cima? - Martim perguntou embora parecesse desinteressado.

-Estive, eu acho. 

-E você caiu. Aonde acha que está? 

O terror de Ariel era notável. Ele ficou sem palavras.

-Brincadeira, você está em Umbra. - Martim acalmou-o, ainda sem parecer se importar.

Agora além de assustado, Ariel parecia confuso.

-Você sabe o que é, certo? - Martim levantou a sobrancelha, na mínima demonstração de emoção - Não? Cara... Eu odeio ter de explicar isso.

-É meio que o seu trabalho, não? - Ariel interveio. 

Martim rosnou em resposta. Eu estava começando a convencê-lo com um cão infernal, de tanto que rosnava.

-O plano pós-morte. É aqui onde seu espírito fica confinado. Pelo menos, certo espíritos. Pessoas decentes vão para o Plano Astral. Você realmente não sabia disto? Sinceramente... - Martim respondeu aos resmungos - Agora me faça um favor. A porta é aqui atrás, pare de me ocupar.

Sem esperar por uma resposta, Martim desapareceu. Feito isto, a parede da caverna se abriu, criando uma passagem para outro lugar. 
Lá dentro, eu ouvia berros desesperados, suplicando por ajuda, e risos maldosos, fora sons assustadores que eu simplesmente não sabia como descrever. Tanto eu quanto Ariel tememos ir até lá, mas não havia escolha, para nenhum de nós dois.
Ariel foi na frente e eu o segui.
Mesmo sendo somente uma ilusão, eu senti um bafo de calor infernal ao adentrar no lugar. Eu fiquei boquiaberto com o quê via. Era um inferno... organizado. Uma academia militar com almas sendo torturadas por demônios com intensivos exercícios físicos. 
Era um buraco infernal de pleno sofrimento. Onde deveria estar o céu, estava um horizonte flamejante, com nuvens formando espirais entre si, atirando pedras de fogo nas pessoas abaixo. Uma quase me acertou. Foi tão rápido, tive nem tempo para me lembrar sobre estar inatingível.
O lugar estava delimitado por cercas. Dentro de uma, almas sofriam com intensivas abdominais. O chão pegava fogo embaixo deles. Dentro de outro, a mais próxima, as almas corriam em um circuito mortal, enquanto um cão enorme com espuma saindo da boca os seguia. E eu quis dizer enorme mesmo! Quase dois metros de altura de pura fera letal.
O chão era de pedra vulcânica, mas aparentemente fria, embora eu pudesse ver rastros de lava pelo chão. Ao longe, uma grande montanha se erguia como um vulcão. Em seu topo, um enorme cubo preso por correntes. O mesmo em que Aron e Mellany estavam aprisionados.

-Você, carne fresca! - um demônio se aproximou planando.

Era parecido com Lucius, mas tinha chifres menores e usava uma jaqueta de couro e calças militares com camuflagem vermelha, com óculos escuros tentando tapar os olhos (mas era inútil, pois eles eram tão grandes que apareciam pelos lados). Seus olhos eram totalmente negros, pelo menos até onde eu conseguia enxergar.

-Qual seu nome? Responde depressa! 

-A-Ariel! Ariel Neville! - Ariel gritou, desajeitado.

Ele temia, e muito, o demônio. Provavelmente o monstro já sabia disto.

-Ariel Neville? - o demônio procurou pelo nome em uma prancheta - Justo quando eu pensava que este lugar estava começando a ser tornar organizado. Venha comigo, seja você quem for.

Sem hesitar, Ariel seguiu-o. Eu não o podia culpar, estava naquele lugar horrível sozinho e totalmente perdido. 
"Espere! Eu não posso ter pena! Ao que tudo indica, este é Aron!"

-O quê vão fazer comigo? 

Não houve resposta.
Agora Ariel passava por uma trilha entre as cercas delimitadas. Algumas pessoas suplicavam por ajuda, enquanto outras se esforçavam ao máximo para terminarem seus exercícios. Pareciam até animados. Eu não sabia por quê.
Uma parte de mim se interessava pelo local. Adivinha qual? Flamus. Ver todo aquele fogo, lava, sofrimento, angústia... tudo isso atiçava meu lado selvagem. Tentei não ser afetado. 

-Tem certeza que você é homem? Esse nome é meio... - o demônio murmurou, com a voz rouca.

-Meio o quê? Não vejo nada de errado nele. 

-Deixe para lá. Você parece alguém antigo mesmo, não entenderia. - o demônio dobrou para a direita após terminar a fala.

-Aonde estamos indo? - Ariel insistiu.

O demônio parou e encarou Ariel de perto.

-Ingressar você. Nestes tempos atuais, implementamos uma anarquia organizada por aqui. Não sabíamos quem devia sofrer e quem devia atormentar, agora as coisas mudaram. - o demônio voltou a seguir seu caminho.

Eles continuaram até chegar a um balcão. Lá, o demônio escreveu o nome de Ariel em um papel, pondo um X no lugar do pingo do i. Talvez seja uma mania entre os demônios.

-Eu não tenho certeza se este é meu lugar. 

-Ninguém nunca tem, mas no fim todos merecem o quê tem, inclusive você. - o demônio respondeu ríspido. 

-Não é brincadeira. Eu estava no Plano Astral antes de vir para cá! Este tal de Lord quer exterminar os humanos! Matar todos! Temos que impedir de alguma maneira! - Ariel grunhiu.

O demônio abaixou seus óculos, perplexo. Seus olhos eram uma fenda vertical vermelha em uma imensidão negra. 

-Temos que fazer alguma coisa, imediatamente! 

-SIM! 

E então, ele começou a rir. O demônio teve um ataque de risos histéricos. Você já ouviu um demônio gargalhar? É assustador, caso queira saber. O chão tremia, as luzes ao seu redor tremeluziam, como se apagasse por alguns instantes a luz natural que descia dos céus, seja isto possível ou não. E o pior era o som. Era estridente e descia por meus ouvidos como pedras, de tão ameaçador.

-De longe, você foi o mais empenhado em criar um motivo para sair. Você já sabia que vinha para cá, é? - o demônio pôs os óculos novamente.

Sua pele negra e rígida, como uma armadura, pareceu brilhar de excitação, como se tivesse ganhado energia.

-Eu estou falando sério! Temos de impedi-lo! - Ariel fraquejou ao terminar de falar, parecendo exausto - O quê aconteceu comigo?

-Chama-se absorção. Um ser de minha raça pode absorver toda a energia positiva ao seu redor. Fazemos isso com todos que entram aqui. - uma onda de energia negra subiu dos pés do demônio até sua cabeça, e então explodiu alguns metros acima, como uma pequena amostra de seu poder - Logo, logo, não haverá mais traços vivos em você, será uma alma, como deveria. Mas devo admitir, você tem bastante energia, hein? Vai ver você foi mesmo para o Plano Astral por acidente, antes de ser encaminhado para baixo.

Ariel levantou a mão, pronto para debater de volta, mas não conseguiu falar. Ele estava perdendo muita energia, mal conseguia parar em pé.

-Por hoje, irá descansar. Amanhã começará seu treinamento intensivo, se quiser sair daqui algum dia.

-Como assim? - Ariel indagou.

-Temos um sistema para saídas. Você pode se mostrar uma alma valorosa em seus testes e subir em sua classe social. Os interessados se tornam demônios, enquanto os outros ganham passe gratuito para o Plano Astral. Isso é, se passarem por alguns obstáculos no caminho. - ao terminar a frase, um sorriso se abriu na boca do demônio.

Eu não gostei disto, e aparentemente Ariel também não.

-Mais alguma pergunta idiota? 

-Não. Leve-me até meus aposentos. - Ariel pediu.

Ele mal se aguentava em pé.

-Uma pessoa normal não aguentaria tanto tempo ao meu lado. Não é vergonha desmaiar, sabia? - o demônio abriu as asas e começou a voar rente ao chão.

Ariel não respondeu. Parecia extremamente cansado, mas estava de pé.
Os dois seguiram um caminho e desapareceram. Minha visão não os seguiu. Eu poderia correr atrás deles, mas eu me detive. Tomei o rumo oposto e comecei a tomar nota do lugar.


...

Pouco tempo depois, enquanto eu descobria uma raça sinistra de toupeiras-lagarta, tudo ficou preto. Quando minha visão voltou, eu estava em uma das cercas delimitadas, junto de Ariel e outro demônio. Este era mais alto que o outro. Corcunda, mas mesmo assim mais alto. Ele usava uma farda militar com camuflagem escura em todo o seu corpo, inclusive os sapatos. Sua pele era idêntica ao outro demônio. Negra e encouraçada, como se fosse feita de pedra esculpida. Pequenos espinhos furavam seu casaco militar, o quê provavelmente dificultava a ele vestir um colete a prova de balas se necessário. 
Eu demorei para notar, talvez por ser pouco notável, mas a fisiologia de Ariel estava mudando. Sua face estava um pouco diferente da última vez que o vi, e, se estou certo, foi a pouco menos de um dia.

-Sabe o quê deve fazer? Sabe por quê está aqui? - o demônio rugiu, severo.

-Não, só tenho algumas ideias. - Ariel respondeu.

Por algum motivo, Ariel estava muito sério. Eu não sabia o que mudara, mas sentia estar prestes a descobrir.

-Você vai fazer seus exercícios diários. Vai sofrer o máximo que puder para cumprirmos nossa missão. - o demônio explicou, dando passos para longe dele a cada frase - Mas nem tudo está perdido para você. Mostre-se valoroso e poderá "subir" na vida, tirando o fato de estarmos em baixo.

-É com isso que estou contando. 

"Tenho de fazer isto rápido! Não tenho tempo a perder!"
Não era o meu pensamento, mas sim o de Ariel. Por algum motivo, tive acesso a seus pensamentos.

-O quê faço? - Ariel perguntou, sério como nunca antes.

O demônio apontou para um circuito de corrida em forma de 0. Fora Ariel e o demônio, haviam mais três almas correndo. Era um campo quase normal, a única diferença era os rios de nava no meio da pista.

-O negócio é o seguinte, carne-nova: errou o passo, perdeu. 

-Acontece algo com os perdedores? 

-Aqueles que erram demais deixam Umbra. Mas não fique animado, pois o lugar para onde vão é pior do que aqui. - dito isto, o demônio decolou voo, deixando Ariel para trás.

Sem esperar, ele juntou-se as outras almas na corrida.
O tempo acelerou novamente. Vi as pressas Ariel fazer diversas atividades horríveis, que variavam de lavar os pratos do jantar (isso não significa comida morta) até percorrer um campo de lama com cerca elétrica, lança-chamas e bombas terrestres como obstáculo. Em algum momento a aceleração parou.
Ariel não era mais ele mesmo. Eu não sabia quanto tempo se passara, mas sua fisiologia mudara, mudara muito. Seu cabelo pálido, agora cinza, estava idêntico ao de Aron. Em algum momento, ele o havia cortado da mesma maneira de Aron: uma camada de cabelo extremamente curta do lado direito e cabelo comprido do lado esquerdo, jogado por cima de seu olho. 
O papo sobre sucção de energia, antes mencionado pelo primeiro demônio, era comprovado real agora. Ariel tinha olheiras enormes por isto, e sua pele agora era completamente pálida, mesmo com todo o fogo exposto a ele todos os dias. No início, lembro-me de vê-lo fraquejar para cumprir as atividades, mas agora, ele as fazia com perfeição, mesmo permanecendo magro como quando entrou em Umbra.

-Hey, você. - Ariel chamou um demônio - Você tem informações sobre a tal cerimônia de hoje?

Desajeitado, o demônio se virou. Para minha surpresa, eu o conhecia. De pé, na frente de Aron, estava Lucius, antes apresentado como Yuya. 
A princípio, os demônios são muito parecidos, mas há certas coisas que os diferenciam. Só de observar Ariel, eu já notara diferentes padrões de chifres e espinhos pelo corpo, assim como o formato de sua couraça demoníaca (eu me recusava a chamar aquilo de pele). Resumindo: não havia demônios idênticos.
E os chifres curvados para baixo de Lucius eram inconfundíveis, embora eles parecessem menores agora. Eu me perguntava onde o garoto que o acompanhava estaria. Talvez eu descobrisse logo, logo.

-Como? Eu? - Lucius pigarreou.

Ele não tinha uma voz tão densa e ríspida como a dos outros demônios. Se comparado, ele era até mais baixo que os outros. Uma diferença berrante de 50 centímetros.

-A cerimônia de hoje. - Ariel repetiu - Preciso saber se subi de rank. Eu preciso sair daqui o mais rápido possível! Pessoas estão correndo perigo!

-Como você sabe disso? Nenhum de vocês tem acesso ao mundo lá fora. - Lucius irrompeu, parecendo temer levantar a voz.

-Eu estive no Plano Astral! Eu falo para todos vocês, mas ninguém me escuta! Todas as pessoas vão ser mortas, eu tenho que impedir! Mas você também não vai acreditar, não é mesmo? - Ariel bufou.

-Eu não sou como eles. Tente-me fazer acreditar, talvez eu lhe dê ouvidos. Afinal, eu estou encarregado da comunicação entre Umbra, o Plano Material e Astral.

-Está falando sério? Acredita em mim?

-Eu disse talvez. Talvez. - Lucius corrigiu.

Ariel abriu um grande sorriso.
"Estou mais perto de conseguir! Fora daqui, vou dar meu próprio jeito para impedir Lord!" Ariel pensou entusiasmado.

-E sobre a reunião, hoje haverá o aumento de ranks, eu acho... - Lucius completou.

-E você tem noção de onde é? Eu já estou a um tempo aqui embaixo, mas ainda me sinto perdido. - Ariel coçou a cabeça, encabulado.

-Normal. A cada dia, Umbra se expande. A cada alma viva neste lugar, 1 quilômetro é aumentado. Construções são feitas as pressas, ruas aperfeiçoadas, linhas traçadas... Pelo menos até onde sei. 

Lucius parecia saber das coisas, mas ao fim ter uma certa incerteza. Talvez ele não confiasse muito em sua memória, tipo eu em algumas ocasiões.
Então, Lucius e Ariel saíram andando, juntos, por uma trilha bifurcada. Mais uma vez, o tempo correu. Ele parava algumas vezes, dando foco em Ariel e Lucius juntos. Ao que aparentava, Lucius se tornara o novo personal trainer de Ariel, ajudando-o a chegar ao seu objetivo: sair de Umbra.


...

Eu já estava começando a perder a paciência. Por quanto tempo eu ainda teria que observar a vida de Ariel? Minha noção de tempo é péssima, mas tenho certeza de que, no mínimo, passei cerca de meio dia assistindo a mais e mais cenas sobre a vida de Ariel, vulgo Aron. 
E a cada mudança de cena, eu me preocupava com um fator muito importante: a realidade. Certamente eu estaria preso em uma masmorra quando eu acordasse. Não duvido nem um pouco disto.

-Eu estou cansado disto. Chegue logo ao fim! - supliquei - Eu tenho uma batalha pra travar! 

Esta última fala não foi minha. Saiu de minha boca, mas não fui eu que a disse. Respirei fundo. Flamus tentava sair novamente.

-Lucius. - Ariel chamou com a voz alta, quebrando todo e qualquer pensamento meu.

Em resposta, Lucius emitiu um ruído.
MUITO tempo havia passado. Eu não reconhecia mais nada, de tanto que havia mudado. Lucius, por exemplo, estava mais alto agora, consequentemente mais forte. Ao olhar para ele, eu sentia uma pontada de desgosto, por algum motivo desconhecido. 

-Eu não vou sair daqui, não é? - Ariel sussurrou.

-Não pensa assim, cara. Você sabia o quanto seria difícil. Talvez em alguns anos... - Lucius tentou manter o otimismo.

Um demônio sendo positivo? Algo estava errado. Ou então eu não sabia nada sobre demônios.

-Lucius, eu já o conheço a muito tempo, pode ser franco comigo. Eu não vou sair daqui, não é?

Ambos estavam em uma pequena sala, fechada com paredes vermelhas. Havia algumas escrivaninhas e mesas mal construídas, apoiando livros velhos e rasgados. Eu não conseguia ver a face de Ariel. Ela não existia mais.
Quem eu via próximo a Lucius era Aron. Eu não conseguia mais detectar Ariel naquela sala. O olhar sombrio de Aron estampava a face que um dia pertenceu a Ariel. Uma aura negra de sofrimento puro exalava de seu corpo. 

-Você foi avisado quando chegou. Poucos conseguem sair. É um trabalho árduo e incansável. Você já sofreu muito, cara. Talvez devesse parar de se esforçar tanto e aproveitar a sua posição atual. - Lucius sugeriu, enquanto folheava um livro antigo.

-Tá na cara que você não me entendeu! Eu PRECISO sair daqui! Pessoas estão correndo perigo, todas elas! Eu já lhe disse isto um MILHÃO de vezes! - Ariel levantou sua voz.

Lucius nada fez, além de franzir suas estranhas sobrancelhas, que mais pareciam detalhes de uma armadura.

-Há algum outro modo de eu sair? 

-Não tenho muita certeza, mas dizem que sim. Eu contarei o que sei hoje a noite, depois que você decidir seu destino. - Lucius respondeu-o.

-Eu não estou sabendo de nada sobre hoje a noite. O quê acontecerá? 

-Como eu disse, você já se esforçou demais. Hoje você poderá decidir entre se tornar um demônio, ou persistir em sua busca por uma saída. 

-Eu não deveria ser avisado!? 

-O quê acabei de fazer? - Lucius interrompeu - Pense até a noite. Dependendo de sua escolha, nos tornaremos irmãos. Para o resto da vida. Não é ruim, você vai ver.

Então, Lucius se levantou. Uma porta surgiu em uma das paredes e Lucius segurou a maçaneta na mesma hora.

-Pense. - ele abriu a porta e saiu, deixando Ariel, se é que devo continuar chamando-o assim, sozinho.

Sem demonstrar qualquer emoção, Ariel pegou o livro folheado por Lucius, em cima de uma cadeira. 

-"Humanos tem a força necessária para invocar seres astrais. Tanto anjos, quanto demônios." - Ariel leu em voz alta - "Existem informações sobre isto espalhadas pelo Plano Material, o mundo habitado por tal raça. Se assim desejarem, podem invocar qualquer criatura e realizar contratos de apoio mútuo." Interessante.

Ariel largou o livro aberto no chão e a porta se ergueu. Fui deixado sozinho. 
Por curiosidade, me aproximei do livro antigo, já com páginas amarelas, e percebi um pequeno quadro em vermelho onde se lia: Qualquer interação com o Plano Material é proibida para qualquer espécie imaterial. A pena para estes atos é exílio. 
Mais abaixo havia mais um quadro, idêntico ao primeiro, porém eu não entendia as palavras. Mais pareciam rabiscos sem sentido, provavelmente seria a língua do submundo.
Deixei as inscrições de lado, eu não sabia lê-las, logo, não teria o que eu fazer com elas. Atravessei a parede e corri atrás de Ariel.


...

Eu mal percebi como, mas lá estava eu, em um enorme salão, lotado de almas e demônios. 
O salão era iluminado por tochas nas paredes e em candelabros presos ao teto de pedra. No centro de tudo, havia um pequeno altar, um degrau acima do solo de terra, onde encontrava-se um demônio com aspecto superior aos outros, enquanto todos os outros prestavam atenção em suas palavras, sentados em cadeiras mal organizadas. Ele era diferente de qualquer demônio que eu vira durante meu tempo em Umbra. Este era maior, muito maior, tanto em altura quanto em largura. Suas asas chegavam a ser maiores que as minhas. Em suas mãos, garras enormes surgiam, prontas para rasgar a primeira coisa que ousasse aproximar-se.
De tantas características diferenciadas, a mais ressaltada eram seus olhos. Diferente de qualquer outro, seus olhos eram azul-ciano. Mas o azul não era próprio dele. Por seus olhos, era possível ver algo que eu julguei serem almas. Fumaça azul-ciano subindo por dentro de seus olhos, passando do corpo para a cabeça e vice-versa. Seria impressionante, caso deixasse de ser aterrorizador.
O demônio terminou seu discurso, para minha sorte, pois eu não entendia palavra alguma que saía de sua boca. Alguns seres aplaudiram, outros grunhiram, enquanto Ariel se levantava e caminhava vagarosamente até o centro do salão.

-Parabéns, irmão. - Lucius parabenizou.

Ele estava sorrindo? Difícil dizer no momento, com tanta gente a sua volta, parecendo me encarar como se soubessem de minha presença.

-Diga seu nome perante todos! - o demônio rugiu.

Ouvir sua voz falando minha língua era como ter uma faca descendo por minha traqueia. 

-Sim, rei de Umbra! - Ariel dirigiu-se a todos, voz alta e bom tom - Ariel Neville!

Houve alguns aplausos, mas logo cessaram.

-Você está perante de mim pela primeira vez. Pode descrever aos novatos como é ter a sensação de ter o puro mal ao seu lado? - o demônio, certamente líder deles, disse, fazendo Ariel tremer.

-É como ter cada sinal de bondade de seu corpo arrancados de você a sangue frio. Você tem desejos obscuros tomando sua mente, enquanto se revitaliza fisicamente para servir às ordens demoníacas! - Ariel descreveu.

Eu não entendi o discurso, então me esforcei para ignorar as palavras a pouco ditas.

-Ótimo. - o rei de Umbra vangloriou-se por um momento - E agora vamos ao motivo pelo qual estamos aqui hoje. Esta alma mortal conseguiu fazer algo considerado impossível por muitos. Conseguiu sobreviver a cada um dos testes impostos sobre ele, sem reclamar, sem muito menos murmurar qualquer insulto. Mostrou-se um soldado digno. Então agora eu o pergunto: Estaria pronto para se tornar um de meus servos? Estaria pronto para servir Umbra como um DEMÔNIO?! 

Algumas almas começaram a sussurrar entre si, eufóricas.
Ariel pareceu travar, mas recompôs-se logo depois. 

-Sim. Estou pronto para servir Umbra. Estou pronto para me tornar um demônio. - Ariel respondeu.

Fiquei boquiaberto. Eu ouvi por tanto tempo sua história sobre fugir de Umbra, sobre salvar a humanidade e etc, mas no fim, ele decide virar um demônio, de uma hora para outra! Garanto que não devo ter sido o único a ter tal impacto.

-Excelente. - o rei gargalhou - Agora jure sua lealdade eterna à Umbra e proclame seu novo nome! Profana sua alma, sucumba à escuridão! Torne-se para sempre um de nós, carregando todo o mal junto de sua essência!

Sua fala me dava calafrios. Cada palavra era um golpe doloroso em meus ouvidos. Você já ouviu falar em ser nocauteado por uma voz? Eu nunca, mas tenho certeza que posso tornar esta frase real em alguns instantes.

-Eu, Ariel Neville, abandono a bondade de minha alma. Aceito de braços abertos a escuridão de umbra, assim me tornando seu servo leal. Hoje, deixo meu antigo novo e me torno uma nova forma de mim mesmo. - Ariel hesitou, pensando no que dizer - Hoje me torno Aron Nephrim.

Uma salva de palmas e "urras" se sucedeu. Na platéia, o único que não parecia muito entusiasmado era Lucius, mas mesmo assim, ele mostrava um sorriso assustador. Bom, demônios não devem conseguir sorrir de outro jeito.
Por outro lado, agora Ariel se tornava definitivamente Aron. Mas teria seus ideias mudado? Ou ele ainda pretendia impedir Lord, seja ele quem fosse?
O rei de Umbra aproximou-se de Aron, com uma jarra de um líquido vermelho em mãos. Preferi não assistir. Me virei e fui embora, até o ritual de iniciação de Aron acabar.
Fora do salão, dei de cara com uma parte nunca antes vista de Umbra. Um enorme precipício. Uma escada levava até o outro lado, onde eu não conseguia ver nada. Provavelmente era protegido por alguma barreira mágica.
Sentei no chão e esperei. 
Esperei. 
Esperei.
Nada.
Ninguém saiu do salão. O lugar estava até quieto demais para meu gosto. Respirei fundo e corri de volta para o salão a tempo de ver um par de asas brotar das costas de Aron.

-Está completo. - o rei de Umbra finalizou - Cumprimentem o mais novo servo deste Plano! Aron Nephrim!

Eram as mesmas asas negras usadas por ele mais cedo, fora da ilusão.
O local foi trocado quando eu pisquei. Agora, eu estava no mesmo quartinho de antes, com os livros velhos e as escrivaninhas. Aron entrou apressado e fechou a porta, rugindo de dor. Ele procurou por algo para se apoiar, mas nada encontrou. Caiu no chão fazendo um estrondo, derrubando todos os livros, enquanto um emaranhado de fios negros atravessava a parede e o enrolava.

-PAREM! PAREM! - Aron suplicava, lutando para se soltar.

Os fios eram mais fortes que ele. Em pouco tempo, ele estaria preso em um casulo negro.

-Eu não quero isso! Eu não vou cair mais ainda! - seus olhos lacrimejavam - Eu estou tão perto...!

Em um de seus surtos por liberdade, Aron acertou uma das escrivaninhas com um dos pés. Imediatamente, ela cedeu. Alguns livros caíram, outros rolaram, mas teve um que saltitou até abrir exatamente na frente de Aron.

-Conjurações proibidas?! - Aron leu com dificuldade.

Ele hesitou, mas não conseguia mais aguentar. Caso não fizesse algo, ele seria pego por aqueles fios e engolido por sua essência maligna. Eu não sabia o que aconteceria, mas seria ruim de qualquer jeito.
Eu não podia ajudá-lo e muito menos sabia se queria erguer uma mão, então caminhei e tentei ler o livro. Acabei não entendendo palavra nenhuma, exceto alguns avisos escritos em caneta vermelha: 
Conjuração proibida devido a norma nº 101Ω/22 de Regras e Regulamentos Demoníacos de Umbra, cuja inscrição proíbe interação com qualquer ser material.

-Sem tempo para regulamentos! - Aron conseguiu pronunciar ao sufoco.

Ele começou a ler o livro, mesclando palavras em inglês, latim e em "língua demônio", se eu não estiver errado. Sua pronúncia era rápida, devido a sua situação de risco, mas eu consegui distinguir algumas palavras. Peccarum... in Umbra... directus cum... spiritus... avaible.
Confesso não conseguir tanto ouvir, quanto falar a língua demoníaca. Era como um som animal feroz, uma mistura de sons animais incompreensíveis, junto da voz profunda e sombria demoníaca, provavelmente a voz que as crianças imaginam ao pensar no bicho-papão.
Fora de hora, eu sei, mas bicho-papão seria um demônio? Talvez eu pergunte para Lucius quando tudo acabar.

-Vamos, vamos! - Aron torcia para o feitiço fazer efeito.

Não aconteceu absolutamente nada, diferente da situação de Aron, já que os fios continuavam vindo, transformando-o em um ovo de páscoa demoníaco. Quando Aron desistia de lutar, uma luz surgiu. Ao contato com a luz, os fios viraram pó. Agora liberto, Aron jogou-se para o canto da sala oposto à porta, e respirou fundo.

-Essa é minha última noite aqui. - ele arfava - Tenho que... dar um jeito de sair. Nossa, eu cheguei a cansar mais do que nos treinamentos!

A luz continuava ali. Havia um círculo de luz no meio da sala, acima dos livros. Aron pôs-se a aproximar-se, mas uma voz o fez congelar.

-Olá? - uma voz familiar chamou.

"Essa voz... Não, não pode ser..." Aron pensou, atônito. 

-O quê é isso flutuando no meio do jardim? - era uma voz feminina muito conhecida.

Aos tropeços, Aron correu para frente da janela de luz clara. 
"Não pode ser... É ela!"

-Melorry? - Aron engoliu em seco.

De fato. Lá estava ela, Melorry. Ou pelo menos alguém muito parecida com ela. Mellany. 
E então você me pergunta: Se Melody e Mellany são gêmeas, como eu as diferenciei?
Caso fosse Melody quem estivesse falando com Aron neste momento, seria ela nossa inimiga, não Mellany. Fora que os quilinhos extras de Mellany estavam mais visíveis agora, com ela aparentando menor de 10 anos.

-Quem? - ela perguntou.

-Esqueça. Eu devo ter confundido você com outra pessoa. - Aron fingiu para não assustá-la - Então, como se chama?

-Eu me chamo... Mellany. - ela disse, tímida.

Cadê a galera desconfiada agora, hein? Sou bom ou não?

-Mellany. É, é um lindo nome. - Aron sorriu.

-Isso atrás de você são asas? - Mellany indagou.

Aron virou, surpreso. Suas asas estavam realmente lá. Eu não havia me tocado nisso e, pelo jeito, Aron também não.

-É. São sim. Sabe... Eu sou um... - Aron procurava uma maneira bacana de dizer "eu sou um ser das trevas, um demônio de alto escalão que vive na dimensão alternativa das pessoas mortas malvadas".

-Um anjo? - ela tentou adivinhar.

Os olhos sem vida de Aron faiscaram pela primeira vez desde que chegara à Umbra.

-Exatamente, exatamente! E estou falando com você, pois você é muito, mas muito especial. - Aron enrolou-a com delicadeza.

Eu não tinha certeza de seus objetivos.

-Sabe, eu estou com alguns problemas neste momento, e preciso de sua ajuda. É muito importante, acha que dá conta? 

Mellany não parecia muito feliz agora.

-Talvez devesse perguntar a minha irmã. Afinal, ela sempre é superior mesmo. - Mellany cobriu os olhos com seu cabelo, tristonha.

Um arrepio subiu por minha espinha. Eu já sabia como tudo iria acabar. Eu já sabia como terminamos nessa guerra. 

-Mellany, escute. - Aron falou sério, mas de uma maneira dócil, disfarçando sua voz demoníaca o máximo possível - Eu escolhi você pois precisei exclusivamente de você. Não de mais ninguém. Só você pode me ajudar nesse momento, mais nenhuma pessoa.

-Está falando sério? 

-Mas é claro. - Aron finalizou com um sorriso.

E com isso, o momento do descanso acabou. Eu me vi caindo na imensidão escura novamente, enquanto tinha a imagem fixa de Aron manipulando Mellany para tirá-lo de alguma maneira de Umbra. E logo após isso, Aron fazendo-a lutar em uma guerra contra a irmã.


...

Todos já estavam de pé quando acordei. Para minha surpresa, não havia calabouçou nenhum. Meus membros estavam normais, nenhum estava faltando. Porém, Aron parecia mais forte. Só ao olhar, eu conseguia sentir um brilho maior envolvendo-o, como se eu pudesse ver seu poder exalando de seu corpo.

-Entenderam a situação agora? - Aron resmungou.

-Que droga de nome é Ariel? É tão... - Ingo não completou a frase, terminou-a com uma expressão de confusão.

Gar estava dormindo em pé.

-Oh? Ahn? Acabou? Eu dormi quando você morreu. - Gar soltou um longo bocejo.

-Tsc. Não acreditei em uma só imagem mostrada. Aposto que foi tudo ilusão de Lucius. Posso acreditar em demônios, posso acreditar em anjos, mas não acredito em dimensões paralelas e pós-vida! É ilógico! - Gen protestou.

-Então, as pessoas más vão pra um acampamento militar quando morrem? Meio patético. - Merith murmurou.

-Vocês não entenderam mesmo! - Lucius rosnou.

Dei um passo a frente.

-De acordo com sua biografia, seu objetivo é parar o plano desse tal "Lord", não é? - comecei a falar - O plano dele seria exterminar a raça humana de vez, estou certo?

Ninguém respondeu-me. Mas eu tinha a atenção de todos.

-E o quê VOCÊ planeja, Aron? Até onde me foi contado, você quer substituir a raça humana, criar seu próprio mundinho, e isso não foi dito em momento algum nessa ilusão cinematográfica.

-Eu planejo SALVAR vocês, humanos incompetentes. Chamaram a atenção de uma autoridade maior e eu sacrifiquei muita coisa para ajudá-los! - Aron disse - Irei modificar seu mundo. Destruir o mal pela raiz! 

-O único modo de fazer isso é ou matando, ou modificando a vida na Terra. - Melody entrou no debate - Da mesma forma, você fará o mesmo que ele.

Aron pareceu parar por um instante, mas logo voltou a ativa.

-Não, não! Melorry presava a vida e a paz, irei criar seu mundo ideal! - ele manteve seus olhos fixos em Mellany - Vamos ficar juntos como os deuses de nosso próprio novo mundo, um mundo sem mal nenhum. - Aron encarou-me então - Mas se for necessário passar por alguns guerreiros no caminho, é o que farei.

-Sem caos não há paz. Sem mal não há bem. Desequilibrando o mundo, tudo entrará em colapso. - Kathryn levantou a voz.

-Preferem ser mortos para Lord? Vocês não tem escolha. Rendam-se a mim. - Aron ordenou.

-Eu vou impedir você. Ou pelo menos vou tentar com todas as minhas forças. E depois, caso Lord tenha a coragem de aparecer por aqui, nós estaremos a sua espera, pronto para impedi-lo também. - meus braços escamaram-se.

Garras surgiram em minhas mãos.

-Vocês são realmente muito teimosos. - uma das pedras brilhou ao lado de Aron - Tentem me parar.

Uma rajada de vento soprou, terminando de curar até o último ferimento no corpo de qualquer um. Eu senti como se tivesse minha alma purificada.
Cada um de nós, incluindo Richard, Misake e Lucius, estava de pé agora. Pronto para pôr um ponto final em tudo.

-Mellany, prepare-se. - Aron disse por fim.

Seu corpo começou a brilhar em dourado. As pedras giravam rapidamente ao seu redor, provocando o aumento do brilho. E então, elas desapareceram. Aron começou a agoniar, da mesma maneira que eu vira na ilusão com os fios negros, porém agora pior.
Não levou muito tempo para ele estabilizar-se. 
Suas asas cresceram e estenderam-se, abrindo-se ao máximo. O corpo de Aron começou a flutuar, erguendo-se a meio metro de altura. O corpo de Aron parecia feito de ouro puro, estava inteiramente dourado e reluzente, cintilando cada vez mais enquanto uma armadura crescia em seu corpo. Ao final da transformação, não o reconhecíamos mais. A nossa frente, estava uma armadura dourada celestial. Eu não conseguia descrevê-la, era como se fosse tão perfeita que eu não conseguisse distingui-la direito.

-Conheça o poder mais puro que existe. O poder de elementra real. - Aron pronunciou triunfante.

Na face de Aron, não havia nada além de seu elmo dourado. Atrás dele, uma longa capa flutuava, demonstrando um espírito heroico. Mas era uma farsa. Aron não era um herói, era simplesmente um demônio iludido. 
E agora era hora de pôr ele em seu lugar.

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