segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

As Pedras de Elementra - Parte 2. Capítulo 18.


Melody

18. Quarto degrau.
Memórias de um passado nem tão distante.

-GEN! - Merith gritou em desespero.

Annie e Stephie estavam preparadas para isso. Quando notamos que Gen, Merith, Ingo e Aslan haviam desmaiado pedi para elas manterem a guarda, e se prepararem para defende-los se necessário. E graças aos deuses elas conseguiram. Stephie correu para frente e agarrou o braço de Annie, arremessando-a em direção de Gen a tempo suficiente para empurrá-lo para longe do ataque de Selion.
Selion não tinha mais controle algum sobre si mesmo. Era como Gen havia dito outrora, ele não era mais um ser racional, não passava de um animal selvagem. Um animal selvagem que foi domesticado.
E ainda tinha aquela história de comandos. Ninguém sabe como funcionam, e é impossível, tanto fazer quanto acreditar, que palavras podem colocar um dragão completamente sobre seu controle. Mas de alguma maneira ela conseguiu.
E o último comando foi o pior de todos. Eu não consegui detectar as palavras corretamente, mas era longo como um cântico. Não conseguimos impedi-la, nós falhamos nisso, e agora Selion havia se tornado um dragão gigante novamente, mas dessa vez sem senso de quando parar.
Como as coisas foram acabar desse jeito? Por que não a impedimos?
Porque eu fui fraca, não quis machucar meu... companheiro de equipe. Eu sou responsável por todos.
Mas eu tenho certeza de uma coisa. Eu não vou falhar agora. Com toda a certeza não.

-O QUÊ É ISSO?! - Gen gritou com seus olhos dourados completamente arregalados.

-Desculpe a delicadeza. - Annie ajeitou sua boina na cabeça e retirou alguns objetos pontudos de um compartimento anexado a seu cinto.

-Isso era pra ser delicadeza? - Gen reclamou enquanto se levantava e limpava sua bermuda.

-Saia logo daqui! - Annie berrou, cortando sua reclamação.

Selion não esperou para agir. Uma coluna de fogo se ergueu ao seu redor. Isso já havia acontecido antes, e não acabou bem.
Gen conseguiu captar que acabaria mal, e tentou correr para longe, mas era tarde demais. A coluna de fogo se concentrou na forma de uma esfera feita de puro fogo e magma. Selion a agarrou com as duas mãos enormes e protegidas pelas escamas, e então jogou a esfera incandescente na direção de Annie e Gen.
Água evaporava só de se aproximar daquele ataque, vento não a influenciava, só a deixava maior e a terra desintegrava ao toque. Eu não havia conseguido encontrar um meio de impedir seus ataques.
E então, eu vi Scarlet me encarando, como se estivesse me estudando. Já nos conhecíamos, ela não precisaria me estudar para saber o quê eu faria a seguir.
Apontei dois dedos na direção de Scarlet, fazendo uma arma com as mãos. As pessoas que deveriam entender isto estavam cientes do que deviam fazer.
Annie e Stephie atiraram projéteis em Scarlet imediatamente. Em resposta a isto, nossa inimiga domadora alcançou seu chicote e fez um movimento rápido com as mãos, quase imperceptível, que inutilizou completamente o ataque.
Selion estava sob os comandos de protegê-la, a ameaça a sua "mestra" fizeram ele se desconcentrar por alguns segundos, diminuindo a velocidade de sua esfera flamejante que se locomovia a uma velocidade razoável pelo ar.
Consegui tempo suficiente para Annie conseguir agarrar Gen e tirá-lo de lá. Bem em cima da hora, na verdade. Após ela ter pulado com ele para um lugar mais seguro, a esfera se chocou contra o solo. Outro enorme pedaço do chão foi dizimado, reduzido a pó, e uma enorme explosão nos jogou no chão, fazendo a parede, o chão e o teto tremerem.

-Você é realmente poderoso, gostei disso! Só espero que você não me traia como seus antepassados, está bem? - Scarlet fez um coração com as mãos e depois o partiu ao meio.

Selion não reagiu a sua fala. 
Decidi tomar a dianteira, aquilo não podia continuar. 

-Kathryn, eu vou confrontá-la. Você pode distrair Selion? - pedi enquanto fazia aparecer em minhas mãos uma espada katana.

-Melody, não vá fazer nenhuma besteira! 

-Não deve se preocupar comigo. - corri em direção de Scarlet.

Eu podia ter usado teleporte, sim. Mas preferi não. Eu sabia que ela estava preparada para um ataque surpresa desde o início, sua mente pensa em cada detalhe antes de agir, sempre foi assim. E não serei desta vez que a história seguiria um rumo diferente.
Selion apareceu em minha frente, bloqueando minha passagem.
Ele me fitava com seus olhos, como se estivesse me alertando de alguma coisa. Ele começou a rugir e o chão ao seu redor começou a fumegar. O solo estava sendo transformado em lava pura.
Tive que modificar minha rota. Corri para o lado, me afastando da lava. O líquido vulcânico começou a borbulhar.
A lava começou a respingar e a se espalhar cada vez mais. Com muita dificuldade, consegui desviar dela. Continuei a me aproximar de Scar, pronta para faze-la pagar pelo que estava fazendo Selion passar. Eu não iria perdoá-la.
Uma enorme pata de dragão surgiu a minha frente, me impedindo de continuar.
"Kathryn, você é péssima em distrair dragões." pensei frustrada.
"Eu nem sei como se faz isso!" ela me respondeu telepaticamente.
Eu não estava com paciência para pensar em uma maneira de desviar dele onde eu saísse inteira, então resolvi arriscar. Pulei em cima de sua pata escamosa e corri por sua pata em direção de sua cabeça, usando um encanto para diminuir a gravidade. 
Mais altura poderia ajudar, seria mais fácil alcançá-la caindo do que seguindo pelo solo.

-MELODY! CUIDADO! - Kathryn alertou.

Ela, Yousuke e Adrian estavam atacando a cabeça de Selion a distância, tentando irritá-lo a ponto de se estressar e me esquecer por um tempo. Mas aquilo parecia ser apenas cócegas para ele, no máximo dos máximos estaria atordoando-o, mas não o suficiente para surtir efeito.
Suas escamas começaram a ferver e vibrar, como se uma bomba de fogo fosse explodir a qualquer momento. Eu me sentia em um campo minado. 
A explosão que mencionei aconteceu. Eu estava prestes atravessando-o quando seu corpo começou a queimar intensamente. O espaço ao seu redor explodiu, como se ele fosse uma bomba. Além de ferida pelo fogo, fui mandada contra a parede e bati as costas no concreto sólido e quente do lugar. Eu não havia parado para notar, mas o lugar todo estava com uma temperatura elevada, e ela ameaçava só aumentar.
Escorreguei pela parede de uma altura de no mínimo dez metros e caí com tudo no chão. Cada osso do meu corpo tremeu com a queda, mas me mantive forte e levantei.

-É só... Isso que você tem? 

-Selion... Por que está segurando todo o seu poder? Você pode acabar com todos agora mesmo se quiser, já CHEGA de brincar. - Scarlet impôs, severamente.

Selion respondeu com um rugido estridente. Ele não parecia estar satisfeito com Scarlet, muito pelo contrário.
Eles estavam distraídos, era minha chance. Cambaleei junto a parede, sendo o mais silenciosa possível.
Isso me fizera lembrar dos treinamentos as cegas que Scar e eu realizamos na época em que ela era uma pessoa decente. Ou pelo menos fingia ser.
Eu era tão inocente. Tão ingênua. Eu era fraca.

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Eu tinha 10 anos. 
Eu não passava de uma criança, uma criança em meio de uma guerra. A terceira grande guerra. Quinta, se contar pelas guerras mágicas. Os humanos comuns não sabiam de nada. Enquanto nós sofríamos, eles acompanhavam em suas casas uma história ridícula de 3ª Guerra Mundial.
Tudo aconteceu em uma arena, uma única arena. Eu, Kathryn e mais alguns recrutas contra Aron, o anjo profano, e Mellany, minha irmã gêmea mais velha. Eles não tinham, exatamente, um exército, tinham alguns homens, que haviam sobrevivido até o momento, e uma garota. Ela tinha cabelos castanho claro, olhos alaranjados, e sua pele era bronzeada, como se passasse tempo demais no sol todos os dias. Seu nome era Scarlet, Scarlet Dra Crimzon. 

-Irmã, porque disso tudo? Por favor, faça isso parar! - eu implorei com lágrimas nos olhos.

Mellany me esnobou. Ela não queria saber de mim, ou então Aron a estava fazendo agir assim. Eu realmente preferia acreditar que ela estava sendo controlada, mas no fundo eu sabia a verdade. Sabia que eu não passava de um... incomodo. 
Centenas de soldados queimavam perante a luz pálida da lua, mas mesmo assim Aron não tinha um arranhão se quer. Muito menos demonstrava interesse pelo sofrimento de seus soldados.
Lembro de ter lido algo no livro de encantos de Mellany, algo sobre anjos terem que tomar formas humanas para andarem na Terra. O corpo que Aron usava era de um homem alto e encorpado. Suas sobrancelhas eram grossas de uma maneira que fazia parecer que ele nunca sorria, o quê talvez fosse verdade. Ele não usava roupas, usava uma armadura, uma armadura rubra que não havia nem sido tocada durante o combate.
Isso tudo aconteceu a muito tempo, mas me lembro como se fosse ontem.
Eu continuava a implorar por minha velha irmã de volta. Eu era tão iludida.
Sem nem pensar, Mellany ordenou um ataque. Um ataque em massa, envolvendo todos os soldados armados com armas de fogo. E todos iam de encontro a uma única pessoa. Eu.
Na linha de frente, o soldado mais rápido liderava. Era Scarlet.


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Ao invés de me lembrar dos momentos felizes, porém falsos, de meu passado, eu só consegui remoer ainda mais a dor das situações horríveis pelas quais passei. 
Eu sabia um feitiço de cura arriscado. Sempre me detive a usá-lo por ser tão perigoso, caso realizado incorretamente. Mas aquela era uma chance única, não só de pagar pelas ações de Scarlet, mas também para salvar Selion e todos os outros.
Sentei no chão com cuidado. Não havia sido notada até agora. 
Levei minha mão até o bolso de minha calça e tirei dele uma erva medicinal. Eu e Kayhryn a batizamos de ramo-de-runas, por nascer somente em um local, uma floresta cercada por runas mágicas protetoras. Era rígida como pedra de brita, mas ao ter contato com água, acaba se tornando mole como uma gelatina. 
Não sabíamos sobre seu potencial, mas com o tempo descobrimos que podia ser usada para amplificar feitiços de cura. E eu já esperava precisar dela quando pomos os pés neste lugar. 
Quebrei-a com um pouco de esforço e a coloquei por cima de minhas pernas. Repeti diversas vezes o termo mágico Holit necessário para o encantamento. Significava algo como "cura sagrada" e vinha diretamente da antiga linguagem dos velhos anciãos que trouxeram a magia ao mundo. 
Fiz com que água aparecesse e começasse a circular ao meu redor, pingando algumas gotas na erva medicinal. Ela se tornou flácida, como de esperado, e foi absorvida por minha pele. O procedimento a seguir era o mais complicado: conseguir guiá-la pelos meus vasos sanguíneos.
Movi minhas mãos devagar desde minha coxa até meu abdômen, apalpando cada local para espalhar a erva, agora líquida, por todos os canais possíveis. Se tudo ocorresse certo, além de curada, eu ficaria mais forte. 
Do jeito que eu descrevo parece fácil, não é? Pode acreditar, não é nem um pouco fácil. Cada osso do meu corpo parecia estar rompido. Talvez não estivesse, mas a dor era tão intensa que fazia aparentar que cada um havia sido partido em algum local. 
Meus movimentos precisavam ser calmos e suaves, mas a dor não me permitia agir assim. Lágrimas de dor escorriam por meus olhos enquanto eu mordia meu lábio para não gritar ou emitir qualquer som.
Eu estava prestes a acabar, o único lugar restante era minha cabeça. Dominei a erva com cuidado por dentro de meu corpo, do pescoço para cima. Foi nesse momento que alguém agarrou minha mão com força e me jogou para longe. 
O ritual foi quebrado. Pude sentir os pequenos pedaços da ramo-das-runas começar a se endurecer dentro de minhas veias. Se eu não continuasse logo, meu fim seria mais cedo do que eu esperava.

-Tsc. - Scarlet pegou minhas duas mãos e me levantou no ar. - Você sabe que as coisas não precisam ser assim entre nós duas, não é?

-Vai... Pro inferno... - eu cuspi sangue em sua cara.

-Por favor, você já me insultou de coisas piores. Cadê toda a sua criatividade que me cativa? - com um impulso, ela pulou no ar a uma altura moderada e me jogou com força no chão.

Levantei a cabeça devagar. Ramo-das-runas estava quase interrompendo completamente a circulação de meu sangue, eu precisava agir nesse instante.
Com um olhar indiferente, Selion jogava fogo e atacava Kathryn, Yousuke e Adrian. Eles acabariam perdendo nesse ritmo. 

-Melody, eu realmente não quero ter que fazer isso com você. Eu estou bondosa hoje. Como não poderia estar? Eu consegui capturar o meu tão esperado dragão! - seus olhos reluziam às chamas de Selion - Deixo você completar seu ritual de cura, está ouvindo? E então você tem duas opções. Fique aqui e morra, ou fuja e viva.

Scarlet nem precisou esperar eu responder. É óbvio que ela sabia a resposta.
Usei minhas últimas forças para amolecer novamente a erva e distribuí-la pelos vasos sanguíneos de minha cabeça. A dor sumiu instantaneamente. Cada ferida, cada sangue que eu perdi... Tudo foi curado e reposto, do jeito que eu estava antes de levar o primeiro arranhão. 

-E então? - Scar sorriu ameaçadoramente.

Eu conhecia muito bem aquele sorriso. Ela tinha alguma vantagem sobre mim que pretendia usar na hora certa. Mas eu também tenho meus truques reservados. Eu ainda tenho cada uma de suas fraquezas memorizadas em minha mente, tudo que preciso fazer é usá-las contra ela. 
Ela armou seu chicote e se posicionou para o combate. Ela continuava com a mesma pose doentia. Isso não é de hoje. Toda santa vez em que batalhávamos, seja para treinamento ou para caçadas, ela sempre fazia uma pose... como posso dizer... persuasiva. Seja homem ou mulher, ela sempre adorou se mostrar para o oponente.

-Nossa... Realmente como das últimas vezes... - minha katana surgiu em minhas mãos.

-Você lembra da última vez? Eu tento não lembrar do passado. É lá que ficam as coisas ruins que eu decido fazer. 


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Scarlet investiu em minha direção com seu chicote em mãos. Lembro-me de ter fugido para trás, lançando todas as magias que conseguia lembrar ao mesmo tempo. Chegaria a ser engraçado o modo que eu misturava os feitiços devido ao desespero, mas não era momento para graça. Era um momento de dor, de sofrimento, de angústia.
Kathryn não esperou para me ajudar, avançou em direção de Scarlet e usou suas magias destrutivas enquanto conjurava um encanto maior para impedi-la. Kathryn agiu como uma mãe para mim durante toda a minha existência. 
Eu não lembro de nada sobre meus pais reais. É algo inexplicável. Sinto que cresci com eles, mas não tenho memórias nem recordações sobre. Já Mellany sim. Ela me contava histórias sobre como papai e mamãe eram magos poderosos e muito bem treinados, dizia que eles sempre nos relatavam as missões bem-sucedidas deles pela caça das pedras. Eram histórias tão divertidas e emocionantes que me dava vontade de vê-los. Isso acabava me fazendo chorar, já que eu nunca mais os veria.
Eu fui forçada a observar, paralisa, enquanto Kathryn dava tudo de si para me manter em segurança. 
Kathryn desferia golpes usando armas que ela invocava do fogo que surgia do solo, causado pelos encantamentos e ataques que não paravam de acontecer. Ela atingiu Scarlet diretamente em seu braço, fazendo-a largar seu chicote.

-SE RENDA! - Kathryn ordenou.

Colocou sua espada de fogo arcano rente ao pescoço de Scarlet. 
Kathryn parecia não ter notado, mas Scar estava feliz demais para alguém que havia perdido. Ela iria passar a perna em Kathryn. Pulei para perto das duas e atirei estacas de gelo em Scarlet. 

-CUIDADO! - um de meus companheiros berrou.

Meus olhos se arregalaram. Um enorme portal surgiu no céu, exatamente acima de mim. Luzes saíram dele, e um feixe de luz negra me cobriu completamente.

-MELODY! - Kathryn perdeu totalmente o foco e foi dominada por Scarlet.

Meu corpo ficou gelado. A voz de Aron cochichava em meus ouvidos.
"Você vai pagar por tentar nos impedir. Sua existência é um insulto ao poder das pedras." a voz me atingia como uma estaca no peito.
"Criarei um novo mundo, e você não estará nele. E como poderia? Você é um fracasso, uma aberração. Só não sabe o porquê."

-Para... Para por favor... Eu não sou uma aberração... Eu não... Não sou...! - comecei a lacrimejar.

Minha visão foi embaçada pelas lágrimas. Meu pescoço se levantou sozinho e me fez olhar diretamente para cima.
"Aprecie seu fim."
Uma luz vermelha começou a brilhar. Já podia adivinhar que era uma espécie de raio da morte. Eu não iria sobreviver aquilo. De jeito nenhum.
Mas eu estava errada. Algo me empurrou para fora da escuridão. A voz de Aron simplesmente sumiu, e, enxugando as lágrimas, tentei compreender o que acontecera. 
Um longo grito foi ouvindo enquanto a luz vermelha aumentava cada vez mais no céu.
Eu reconheci imediatamente aquela voz. Era a voz de Frank, aquele designado para ser meu guardião. Desde que entrei no grupo, ele me protegeu, me ajudou. Junto com Kathryn, ele era como parte da minha família.
O raio mortal disparou. Fui jogada para longe, junta de todos os outros ao redor.

-FRANK! - gritei seu nome sem parar enquanto me forçava a acreditar que ele se fora.

Frank foi reduzido a pó, sobrando apenas pequenos cachos de seu cabelo loiro. Tudo por minha culpa.
Arrasada, me levantei de cabeça baixa. Se eu já odiava Aron por levar minha irmã para o mal caminho, imagine só como eu me sinto agora que matou um grande amigo meu. Mas ao mesmo tempo que eu queria estrangular aquele anjo maldito, eu estava apavorada demais para isso. É difícil admitir, mas eu realmente estava amedrontada, eu não sabia o quê fazer, ou como fazer.
Mais lágrimas escorreram pelo meu rosto contra minha vontade. Mas isso não era motivo para eu desistir, eu tinha que vingar Frank. É o que ele faria se eu estivesse ali.

-MELODY! - Kathryn me chamou de volta para a realidade.


Um dos poucos soldados de Aron vinha em minha direção. Eu não conseguia ver seu rosto por causa das lágrimas que preenchiam meus olhos, mas ele segurava um machado, e corria em minha direção.

Esquivei dele por pouco e investi contra ele uma esfera de luz. Técnica ensinada a mim por Frank.
Por todos os lados, eu ouvia o som estridente de lâminas se chocando, fogo estalando, explosões mágicas... Era muita coisa para aguentar. 
Kathryn caiu na minha frente, sendo jogada por Scarlet. 

-Tsc. - Scarletl a acertou em cheio com seu chicote, fazendo-a perder a consciência por um breve momento. - Agora você.


Scarlet caminhou calmamente em minha direção, como se soubesse que eu não fosse fugir.


-Acabar com uma criança desse jeito não é legal, sabe? Mas não tenho opção, fui paga para isso. - seu chicote começou a emitir um zumbido.


Ela acertou um de seus próprios companheiros que passava ali perto. Ele foi eletrocutado. 


-E-ele estava do seu lado... C-como pode fazer isso com um amigo? - caminhei para trás, com medo.


-Ele não é meu amigo. Eu não tenho amigos, e nem posso ter. Nada que você entenderia, criança. Diga boa noite. - ela levantou sua arma, pronta para me acertar.


-Não... - abafei um grito.


Eu senti neste instante um impulso, como se algo me puxasse para trás. Acreditei que fosse minha mente me avisando que eu não venceria aquele combate, mas eu tinha que tentar algo. Pelo Frank.

Ao invés de recuar, pisei firme no chão e corri para perto de Scarlet, que estava perplexa por minha reação.

-Eu não vou aceitar o que vocês fizeram! 


Criei esferas sombrias com as mãos, recitando o feitiço mais rápido conhecido, e usei-as para me defender dos ataques de Scarlet. 


-Menina... Não brinque comigo... É para seu próprio bem que eu aviso. Renda-se e serei piedosa. - Scarlet derrapou no chão e puxou minha perna enquanto passava, me derrubando.


-Mórbidus redóx! - conjurei.


Nossas posições foram trocadas. Agora ela estava caída, e eu tinha a vantagem. Empurrei as esferas negras em suas costas. Elas giravam loucamente em minhas mãos, raspando contra suas costas.


-KAAH! - Scarlet berrou de dor. 


Levou sua mão até seu bolso e, antes que eu pudesse evitar, puxou uma corda. Uma nuvem de fumaça apareceu e se espalhou ao redor. Estava impedindo minha respiração. Scarlet aproveitou o momento para agarrar minhas mão e me jogar para longe. 


-Você é boa, devo admitir... - ela agora tinha uma faca em uma das mãos, e seu chicote em outra.


Sua jaqueta estava agora mais rasgada do que antes e sua bermuda estava suja de barro, que se formou do resultado do confronto de magias de água e da terra, eventos ocorridos mais cedo.

Scarlet enrolou sua faca no chicote e o jogou no ar. Desviei minha atenção para ele, esperando por algum ataque. Ela socou minha barriga com força, enquanto eu estava distraída. 

-Sou cheia de truques. - ela chutou minhas costelas.


-Hiei-le vamntus! 


Meu corpo flutuou sozinho para fora de seu alcance. Agora no chão, corri para fora da arena. Eu estava machucada demais para suportar mais ataques. 


-Aonde vai? A festa é aqui. 


Não olhei para trás.



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-Lembrou de nossas antigas batalhas, não é? A época que eu tinha cabelo curto... Época sombria, se me permite dizer. - Scarlet passou a mão em seu cabelo, agradecendo por ele ser como é.

Eu não sei se ela sabia, mas o cabelo estava todo chamuscado e com pontas arrancadas. Não era perfeito, mas de certa forma era bonito.

-Não exatamente... 

Ela levantou seu chicote. Sua tira comprida de couro se tornou azul-faiscante por um momento, e logo depois voltou ao normal. 

-Melody! Acabe com isso logo, por favor! - Adrian implorou. 

Selion estava fazendo o maior estrago no lugar. Pequenos rios de lava haviam se formado no chão, vulcõezinhos no teto atiravam fogo ao seu comando... E ele continuava com ataques tão poderosos que não precisavam nem tocá-los diretamente para surtir algum efeito.
Eu já havia perdido muito tempo, já estava na hora de por um fim nisso.
"Eu vou libertar você, Selion."

-Saiba que eu estou muito mais forte agora! - empunhei minha katana.

-Sério? Que coincidência! Eu também! - Scarlet tirou do bolso de seu short um dispositivo de plástico com um botão vermelho. - Eu adoro botões vermelhos. Sempre que se aperta um, algo irado acontece! 

Ela apertou o botão. Beep. Beep. Beep. Beep.
Esse som irritante de bipe começou a apitar em meus ouvidos, até que finalmente pararam, deixando para trás um som parecido com o de uma garrafa de água com gás sendo aberta.

-Que brincadeira é essa, Scar? 

-Venha aqui descobrir. - ela mostrou a língua e se virou de costas, caminhando em direção de Selion.

-Ora, sua... 

Investi no mesmo sentido, com minha katana já pronta para fatiá-la em pedaços minúsculos. Quando eu conseguir me aproximar, ela vai deixar de ser imortal, pode acreditar!
Meu pé escorregou. BEEP-BEEP-BEEP-BEEP-BEEP!
O som estridente voltou, pior do que antes. Dessa vez eu o reconheci. Era idêntico ao som de uma mina terrestre. E eu fui a descuidada que pisou em uma. Mas como esperado de Scarlet, ela não explodiu, ela me eletrocutou, mas não tão intensamente para que não saísse viva. 

-É só isso que você tem? Faz-me rir! - decidi avançar flutuando, dessa vez.

-Mas você caiu nessa, não caiu? - Scarlet riu, sem nem se virar para mim.

Usei um feitiço de teleporte para aparecer à sua frente, impedindo-a de progredir. Desferi um golpe rápido com minha espada katana, e depois a acertei com a bainha da mesma. Ela usou seus braços para se proteger e recuou.

-Tsc. Acha que vai fazer algum estrago em mim? No máximo dos máximos você vai me arranjar uma cicatriz nova. - ela apontou para as várias cicatrizes pelo seu corpo. 

-Rekato. 

-Como é? 

Várias linhas desproporcionais e multicoloridas cruzaram o corpo de Scarlet, ao meu pedido.

-O quê é isso? Truque novo, uh? 

-Exatamente. - guardei minha espada e estalei os dedos. - Eu sei sua fraqueza, Scar. Você não lida bem com armas de fogo reais, não é?

-E daí? Como se você tivesse alguma. - ela grunhiu. - Espera... Isso é...

-Exatamente. - repeti.

Scar seguiu uma das linhas com os olhos. Eu havia criado pelo menos uma dúzia de armas, que agora flutuavam ao longe, mirando em Scarlet, prontas para atirar.

-Ué, você não era uma maga elemental? - Scarlet me pareceu surpresa.

-Metal não deixa de ser elemento. Do que acha que as armas são feitas?

As armas atiraram. Só sei ouvia os cliques das armas sendo destravadas e seus tiros rápidos e contínuos. Uma nuvem de poeira se levantou do chão, me fazendo perder Scarlet de vista.
As armas cessaram. Sua munição acabara.

-CHAMASCREAM! - Scarlet emergiu da nuvem de fumaça, intacta, gritando e apontando para mim. 

Ela ficou sem opção e resolveu trapacear, bem a cara dela. Não demorei muito para perceber que uma rajada de chamas com um enorme dragão dentro vinha em minha direção. 

-Eu pensei que fosse um duelo só entre nós duas. Ah, verdade, esqueci que você é fracote. - corri para longe, evitando o máximo possível o ataque de Selion.

Uma enorme tela de vidro amarelo separou Selion de mim, mas ela não conseguiu aguentar o calor das chamas nem por cinco segundos.

-Foi inútil, mas valeu mesmo assim, Kath. - brinquei.

-Não é hora para piadas! - foi a resposta que obtive. 

Selion me encurralou contra a parede. Parou poucos metros à minha frente e juntou todo o fogo ao seu redor em uma espécie de flecha de fogo. Ele a quebrou com sua perna, e apontou as duas "lanças" de fogo em minha direção. Aos poucos, elas se condensaram, até virarem magma sólido, pedras vulcânicas. 

-E agora? Qual seu próximo movimento? - Scarlet se espreguiçou, como se tivesse acabado de acordar de um sono profundo.

"Vamos... Um jeito de derrotá-la..." 
As enormes "lanças" foram atiradas em minha direção. Colidiram contra mim antes que eu pudesse reagir.
Não, espera. Elas não me acertaram. Não passaram nem perto.

-O quê? - Scarlet procurava ao redor o motivo para Selion ter errado.

Selion atirou as estacas vulcânicas exatamente na sua frente. Agora elas estavam cravadas na parede sólida.
Eu de início não sabia o que estava acontecendo, mas ao ver o sinal que Gen fazia com as mãos, já pude notar que ele havia me salvado. Aproveitei a chance para avançar novamente.

-SCARLET! 

A pessoa gritando o nome de Scar, com toda aquela fúria e raiva, era realmente eu?

-Opa... Opa. OPA! - Scarlet desviou dos cortes de minha espada. 

Continuei avançando, fazendo movimentos cada vez mais rápidos. Ela não tinha tempo para pensar em algum comando para usar, e alguma hora iria cair e perder.
Essa hora chegou bem rápido, para falar a verdade. Com uma pequena ajuda das irmãs ninjas, Annie e Stephie. Antes mesmo de mim, elas calcularam o trajeto de Scarlet e montaram uma armadilha no chão. Algo simples que a fizesse perder o equilíbrio.
Como esperado, ela tropeçou e caiu.

-Eu venci. - coloquei a katana rente ao seu pescoço.

Grande erro.
Scarlet moveu suas pernas para cima e chutou minha mão, fazendo-me derrubar a espada. A queda da espada resultaria na morte de Scarlet, porém - sempre tem um porém - ela estava preparada para isso. Colocou rapidamente as duas mãos ao redor da espada e as empurrou, mantendo-a no ar. Depois disso, foi fácil para ela jogá-la longe, rolar pelo chão, e se levantar.

-Sério? Mesmo? - lamentei decepcionada. 

-Agora acabou a brincadeira. Tentei ser boazinha, porque afinal de contas, eu não odeio totalmente você. Mas agora chega. Selion, acabe com ela. - Scarlet ordenou, apertando a mão tão forte que era possível ver as veias saltando.

Selion não reagiu. 

-Selion? Alô? Ah, claro... Esqueci o comando. Chamascream! 

Ainda sem reação alguma.

-Cadê sua arma secreta agora? - sorri.

Agora eu estava na vantagem. E não ia fazer mau uso disso. 
Como sempre, minha katana retornou para mim. Desferi um golpe usando sua bainha. Scarlet usou seu braços como escudo, novamente, fazendo parecer que meus golpes não faziam nem cócegas nela.
Scarlet tentou revidar, pegar alguma de suas armas, mas eu a impedi. E com um último movimento em minha sequência de golpes, cravei a espada no meio de seu corpo. Só observei enquanto ela caía no chão lentamente, agora enfraquecida.

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Agora estava em um pequeno bosque cheio de árvores, quase completamente ocultado pela grandiosidade do estádio circular que o cobria com sua sombra. O tempo estava instável. Havia se formado uma barreira ao redor, delimitando a área da batalha. Em certo momento, a noite reinava, a lua, junto das estrelas, cintilava no céu, poucos minutos depois o sol surgia novamente, trazendo nuvens carregadas d'água consigo. Se eu não soubesse dos acontecimentos dentro da arena, iria achar que o fim do mundo estava próximo.

-Melody... Não pode fugir de mim... - Scarlet sussurrava secamente.


Ela me seguira. Honestamente, eu já sabia disso. Sabia que alguém me seguiria. Mas pelo menos teria um tempo para retomar o fôlego e, talvez, beber alguma das poções curativas que Kathryn havia preparado.

Subi na árvore mais alta que consegui e espiei Scarlet de lá de cima, camuflada entre os galhos e as folhas. Iria pegá-la desprevenida assim que pudesse. 
Ela me procurava olhando para todos os lados, mas em momento algum esteve de costas, ou então em uma posição que disponibilizasse seu ponto cego. Ela pareceu desistir e caminhou de costas em direção da arena. 
Senti um calafrio na espinha. Meu coração parou por um momento. Ela estava agora olhando diretamente para mim.  
"Isso é impossível! Não pode ser verdade!"
Seu sorriso maldoso voltou para seu rosto. Me mantive paralisada, prendendo a respiração. Depois de alguns momentos, ela se virou e me deixou de lado.
"Ela não me viu...?"
Eu não tinha como saber, mas provavelmente era só um truque. Quis me assustar, fingindo saber onde eu estava. 
Com muito esforço, me teleportei para um galho mais baixo. Eu ainda não dominava a arte de sumir e aparecer em outro lugar muito bem, mas se eu me esforçasse bastante, eu conseguia, no mínimo, teleportar para 20 metros de distância. 
Tirei de meu bolso um minúsculo embrulho de presente. Eu o abri, e apareceu em minha mão uma adaga ornamental. Era a arma mais resistente que eu conseguia manipular com perfeição.
Ainda sem produzir ruídos, me deixei cair do galho, com a adaga pronta para acertar Scarlet. Mas algo deu errado. Meu pé ficou preso em alguma coisa. Eu agora estava pendurada no ar. 
"Essa não, essa não, ESSA NÃO!" eu gritava por pensamento.
Meu pé se enrolara em uma espécie de cipó, e agora eu não passava de um alvo. Afinal, quem me visse primeiro apareceria e me mataria. 

-Tsc. Acha que sou tão idiota assim? Uma dica, quando for se esconder, respire mais baixo. - Scarlet se virou e passou no meu cabelo, tirando algumas folhas que haviam ficado presas nele. 


Me debati incontrolavelmente, tentando me libertar. 


-Para, calma! - ela prendeu minhas mãos, tentando me acalmar. - É o seguinte, eu não quero fazer isso, matar uma pirralha não é algo que vou conseguir esquecer tão rápido... Provavelmente vou ficar sentida por dois dias. DOIS DIAS!


Ignorei-a. Libertei a mão que segurava a adaga e tentei cortar o cipó, mas meus braços não o alcançavam.


-Você só quer morrer de uma vez, não é? - ela tirou a adaga de mim e a jogou longe. - Vou tentar de novo. É o seguinte, você desiste e se mata, ou então eu posso... - eu a interrompi, dando uma cabeçada nela acidentalmente. - Ora, sua... 


Lembrei-me do teleporte. Me esforcei e consegui me livrar do cipó. O lado ruim foi cair de cabeça no chão, mas me levantei depressa e me afastei. 


-Eu já cansei de ser boazinha. Tia Scar vai acabar com você, pirralha. - ela cerrou os punhos enquanto avançava ameaçadoramente.


-Isso é o que veremos. - atirei fogo contra ela. 


Nenhuma reação. Pelo contrário, ela se jogou no fogo como se ele não passasse de uma brisa fresca de verão.


-Queridinha, sou uma caçadora de dragões. Eu sou, naturalmente, imune a fogo. Esperava mais de você.


Corri para longe, movendo a terra atrás de mim, formando crateras e terrenos irregulares. Entrei na primeira trilha que encontrei. Agora estava tudo escuro, e estava cada vez mais difícil de continuar. Eu temia acabar batendo a cabeça em alguma árvore e acabar morta enquanto inconsciente. 

Um calafrio subiu por meu corpo novamente. A trilha acabara. Eu estava presa, sem saída, e Scarlet se aproximava cada vez mais, pulando pelo terreno que eu modificara, sem nenhuma dificuldade. 

-Últimas palavras? - ela perguntou.


-Sim, só duas. Irto Frixsolto! 


A terra ao redor de Scarlet se tornou lama.


-Só isso? Espera... Argh, está sujando meu tênis! - Scarlet reclamou. 


Neguei com a cabeça. A lama se "levantou" e a prender, como se a estivesse abraçando. 


-Fui treinada para ser criativa quando a situação ficar complicada. Quem é a superior agora, monstro de lama? - só pude rir da situação.


-Você vai me soltar. Porque se não, o que faria com você quando me libertar será pior do que o planejado. Muito pior mesmo! - ela lutava para se libertar. 


Eu estava sem armas. Todo o resto estava ou na arena, ou jogado fora, tipo minha adaga. Comecei a fazer a lama se contorcer, esmagando-a.


-Como é mesmo? "Últimas palavras?" - eu a imitei.


-Claro, por que não? Enquanto você perde tempo aqui comigo... - ela começava a ficar azul, pela falta de ar - Seus amigos morrem sozinhos... E você... É a próxima... - fechou os olhos.


Por mais que eu não quisesse dar razão para ela, tive que concordar que estava perdendo tempo. Eu devia ajudar em tudo que pudesse, afinal, quem causou tudo isso, para começar, foi a minha irmã.

Corri de volta para a arena, sem me preocupar com Scarlet, logo atrás de mim. Para mim, ela já estava derrotada, não precisava me preocupar.
Novamente, me enganei. 
De algum jeito ela se libertou, sem meu consentimento, e me atacou pelas costas. Me derrubou no chão com um poderoso chute, e depois prendeu meus movimentos, colocando um objeto afiado não-identificável próximo de meu pescoço.

-Você passou dos limites, pirralha. - ela estava com a respiração pesada, ainda sem fôlego.


-Irt... - tentei conjurar, mas fui interrompida quando Scarlet pôs sua mão em minha boca.


Eu ainda não tinha capacidade de invocar magias complexas sem as palavras, estava literalmente com as mãos atadas. 

Tentei me aproveitar de sua falta de oxigênio para me safar dessa, mas no fim, foi tudo em vão, pois continuei na mesma situação. 
Scarlet começou a aproximar seu objeto pontiagudo de meu pescoço, porém, ela parou bruscamente.
Ela fez uma parada brusca, e pareceu estar decidindo o que fazer. Como se não tivesse certeza de que queria me matar.

-Espera, o quê estou fazendo? Se eu matar você, eu vou estar servindo a Aron... E eu não obedeço ordens de ninguém! - Scarlet jogou seu objeto longe e se afastou.


Como é de se esperar, fiquei muito, mas muito, confusa. Ela havia tido piedade? De repente resolveu ficar piedosa? Estava se recusando a fazer algo que foi contratada para fazer?

Eu realmente não sabia o que pensar, ou como reagir.

-O quê...? Eu não estou entendendo... Vai me deixar partir?


-É, vou. Eu não sou pau-mandado de ninguém, pirralha. - ela estendeu sua mão para mim - Vai ficar deitada aí? Tenho que chutar as partes de um anjo convencido.


Hesitante, eu segurei sua mão e levantei. Voltamos devagar para a arena, sem dizer uma única palavra. No fundo, eu ainda custava a acreditar que ela havia me libertado, me deixado viver. Comecei a vigiá-la com cuidado. Não planejava acreditar nela, nem um pouquinho.

Mas no final de tudo, ela acabou conquistando minha confiança.

---------

Vê-la novamente me fazia lembrar dos momentos que passamos, e isso era horrível! Se eu enterrei essas memórias no fundo da minha mente, havia um motivo para isso. Mas sua existência naquele lugar, na minha frente, fazia tudo voltar. 
Fiz o meu melhor para voltar a me concentrar no presente. 
Retirei a espada do tronco de Scarlet e a guardei. Tudo acabara? Não, estava muito longe disso.

-Acabou? - Annie perguntou, esperançosa por uma resposta afirmativa.

Fiz que não com a cabeça. Ainda tínhamos Selion para lidar. E não tínhamos ideia de como tirar ele dessa. Não conseguia nos escutar, nós não conseguíamos alcançá-lo dentro daquela "casca" de dragão.
Uma coisa me intrigava. Selion havia respondido a todos os comandos de Scarlet, mas no último ele não reagiu. Simplesmente não obedeceu, permaneceu no lugar. Como isso era possível?
Me aproximei dele, atenta para qualquer armadilha que Scarlet tenha deixado para trás durante a luta, e pronta para desviar, caso ele atacasse. Ele permaneceu parado.

-Gen, foi você que o parou? - perguntei de longe.

Não é porque ele estava a alguns metros de distância que ele não poderia ouvir. 
De costas, mandou um sinal para mim respondendo negativamente minha pergunta. Ele estava ocupado demais tentando reanimar seu irmão.

-Nenhum de vocês parou ele? 

-Gar e Gen são os únicos que poderiam fazer isso sem usar armas ou afins... - Kathryn analisou - Tentei usar alguma magia de paralisação, mas foi inútil.

Então, lembrei-me de Polar e Magna. Eles estavam na área, em algum lugar. 
Não precisei procurar muito, pois os dois apareceram na minha frente, momentos depois de pensar sobre eles.

-Não fomos nós. Ficamos ao redor de seu crânio, distraindo-o com sons que vocês, humanos, diagnosticariam como perturbadores. Sons de alumínio, por exemplo. - Polar explicou com suas tão amadas palavras rebuscadas. 

-Mas não tivemos qualquer resultado absoluto ou convincente, que pudesse fazer nossa missão progredir. - Magna completou.

Flutuei devagar até ele, sempre atenta para qualquer movimento brusco. Ele estava completamente imóvel, com exceção de seu peito, que reagia a sua respiração pesada. 

-Selion, está aí? Derrotamos Scarlet, é o momento ideal para sair desse transe! - tentei falar com ele, mas não obtive respostas.

Kathryn apareceu ao meu lado.

-Consegue nos ouvir, pelo menos? - ela perguntou a ele.

Sem resposta. Seus enormes olhos vermelhos enfurecidos encaravam além de nós, como se observasse o vazio. Sua forma era, de certa forma, assustadora. Todas aquelas escamas saltadas, como espinhos de uma rosa, formavam uma cobertura extra ao seu corpo, como se sua camada de escamas comuns já não fosse o suficiente. Ele ganhara chifres que se curvavam em nossa direção, com suas pontas pegando fogo. Se eu não soubesse, jamais acreditaria que ele era o mesmo dragão que entrou nessa base conosco.
Pela primeira vez, ele piscou. Estava recobrando a consciência? 
Não, ainda imóvel. Talvez fosse um sinal, para sabermos que ele ainda estava lá. Talvez...

-Polar, Magna! - Kathryn chamou. 

Imediatamente eles surgiram, talvez em menos de um piscar de olhos. 

-Não há uma maneira de analisar sua mente? Dizer algo para ele, ou então nos dar uma noção do que fazer para libertá-lo? 

-I-m-p-o-s-s-í-v-e-l. - Magna e Polar soletraram em uníssono.

-Ok, isso foi assustador. 

-Desculpe, mas é realmente impossível. Não podemos realizar tal tarefa. Nenhum de nós poderia algum dia conseguir alcançar a mente deste ser, ele é superior demais para nós. - Polar explicou, falando com uma voz apressada, como se quisesse mudar de assunto.

-Como é? Por que não? - exigi saber.

-Peço mil perdões pela grosseria, mas não é da sua conta. - Polar desapareceu.

-Sinto muito, também não posso ajudar. - Magna também desapareceu.

-Mais essa agora? O que faremos? - Kathryn cruzou os braços.

-Selion, acorde! Precisamos de sua ajuda para deter Aron! Não se deixe vender por uma caçadora fanática qualquer! 

Sei que pareci meio idiota, mas não liguei. Eu tinha que alcançá-lo de alguma maneira, e o mais rápido possível.
Mas como de esperado, meu tempo se esgotou.

-FALTAIR NÊRESIS! 

Selion perdeu o controle do corpo e caiu de joelhos no chão. Ele rugia sem parar, como se estivesse sendo torturado. Lágrimas saíam de seus olhos, mas havia uma diferença delas para as lágrimas comuns. As de Selion eram feitas de lava.

-Não pode ser! - Adrian estava boquiaberto.

Scarlet estava de pé, pronta para o segundo round. O buraco deixado por minha katana ainda existia, mas não a incomodava.
Ela estava fazendo Selion sofrer, só por ter perdido para mim em um combate. No fim das contas, ela era mais infantil que qualquer um de nós, embora fosse a mais velha.

-Ela é imortal. Eu sabia que ela voltaria. - pousei no chão.

-Se sabia, por que tentou me vencer? É inútil! - Scarlet não estava nem um pouco contente.

Não pude responder - e agradeço por isso, porque se eu respondesse, não sairia algo muito bonito - , pois fui interrompida por Yousuke e Adrian, que avançaram contra ela. Annie e Stephie não ficaram para trás, investiram na sua direção junto com os outros dois.
Scarlet sacou seu chicote novamente. Todos foram mandados para longe. Foi tão rápido que não se pôde nem ver Scarlet se mexer. Ela estava enfurecida.
O chão tremeu abaixo de mim. Quando percebi, era tarde demais. Selion se levantou e bateu as duas mãos com força no chão, descontrolado. Além de ter aberto uma enorme fissura no solo, fomos todos levantados do chão a uma altura de no mínimo 15 metros. 
Enquanto caía, me lembrei de mais uma coisa do passado. Mais um flashback passou por minha mente. 


---------

A guerra ficou para trás.
O grupo reunido se separou, e novas filias do Grand Elementra foram criadas e espalhadas pelo mundo. Visávamos reunir o máximo de membros possíveis, afim de impedir uma nova possível ameaça.
Convenci Scarlet a vir conosco, se juntar a nós e coletar o máximo de pedras possíveis. Ela relutou muito, mas por fim aceitou. Ela foi minha parceira de treinamento e até me ensinou alguns truques como, por exemplo, desarmar bombas. Na época eu nem notava seu comportamento estranho quando eu não estava por perto, mas eu sabia que algo acontecia por trás das cenas.
E então, chegou o dia em que tudo mudou. Depois de, aproximadamente, um ano de convivência, Scarlet clamou por minha presença em uma clareira, perto do atual local do Grand Elementra.
Ao chegar lá, ela me esperava com algo em mãos. Era uma espécie de bússola enferrujada, cuja tampa tinha desenhado um planeta com duas pedras perpendiculares ao seu redor.

-Você me chamou para ver uma bússola? - questionei.


Sem dizer uma única palavra, ela negou minha pergunta e pediu para me aproximar. Não hesitei. Depois de tanto tempo ao seu lado, não via problema algum em seu comportamento estranho habitual. Eu só não sabia que, naquele dia, eu não devia ter me aproximado.


-O quê você vê? - ela colocou a bússola frente à meus olhos.


Não era uma bússola comum. Não havia ponteiros, nem os pontos cardeais que se encontra normalmente neste tipo de artefato, em seu lugar havia um radar. Um ponto vermelho piscava na tela, dando a impressão de que ele se movia, embora eu soubesse que estava parado.


-Esta não é uma bússola comum, sabia? É uma bússola especial, que eu levei muito tempo para fabricar. - seu sorriso começava a me assustar - Ela aponta para o meu objetivo de vida. 


Ela me relatara sobre isso em algum momento atrás. Seu objetivo... Era caçar alguma coisa. Algo específico, que estava muito bem escondido.

Na época eu não sabia, mas ela estava falando de um dragão. 

-Com isso, estarei muito próxima de meu objetivo! - Scarlet estava muito empolgada mesmo, chegava a tremer de emoção.


-Então você vai embora, não é...? O combinado era você se juntar a nós até realizar essa sua missão... 


-Bem... Eu... - uma enorme explosão ensurdeceu suas palavras.


Não pensamos, agimos. Corremos imediatamente de volta para a base, deixando a clareira para trás. Scarlet era mais rápida e foi na frente. 

Ao sairmos da floresta, me deparei com uma cena assustadora. Membros da G.D (Grand Destruction) atacavam nossa casa com armas que eu nunca havia visto. Quem os comandava era um guerreiro com um machado. Eu já o vira antes, ele estava na grande batalha contra Mellany e Aron. Porém, eu não conseguia lembrar de suas feições, e no momento eu não poderia vê-las, pois ele usava um elmo que cobria toda a sua cabeça.
Era um péssimo momento para um ataque. Muitos de nós estavam foras, em missões de recrutamento, e os poucos que sobraram não eram os melhores em combate. 
Cerca de 20 membros atacavam nosso centro de comando, e outros 10 mantinham guarda ao seu redor. Esses 10 membros foram os que nos viram chegar. 
Antes de pensarmos em reagir, eles já nos atacaram com variados ataques sucessivos. Conseguimos sobreviver por pouco. 
Entre os poucos que tentavam proteger nosso Q.G., estava meu grande amigo Mat, responsável por fabricar as armas do grupo. Ele não estava dando conta de tantos ataques. Se os ataques continuassem... tenho até medo de pensar no que aconteceria.
A minha frente, Scarlet lutava bravamente contra 5 guerreiros ao mesmo tempo. Ela estava indo muito bem, mas algo parecia errado. Em suas lutas, foi sempre costume soltar risadinhas sarcásticas junto de piadinhas bobas para oprimir os oponente, mas não hoje - não naquele dia. 

---------

Meu momento retrógrado foi parado quando caí com tudo no chão. Eu esperava estar toda dolorida e quebrada, mas, surpreendentemente, não foi bem assim que me senti. Eu senti impacto, mas estava inteira. Tentei me levantar. Não consegui de jeito nenhum, pois eu não estava tocando em nada. Alguém ou alguma coisa estava me levitando. 
Fui largada no chão, de costas. Me apressei em levantar.
Não pude ficar muito tempo de pé, Scarlet já me esperava com seu punho vindo em minha direção. Não tive tempo de desviar. 

-Sabe o quê é mais legal? EU sou imortal, você não! - ela beirava a insanidade.

-Agora eu que pergunto. Sabe o que é mais interessante? Você me deixou viva para não obedecer Aron, para quê? Para obedecer ele anos depois, fazendo a mesma coisa? É uma vendida mesma. - tomei o controle da situação.

Não precisa ser muito esperto para encontrar o ponto fraco de uma pessoa convencida, auto-suficiente. 

-E quem disse que estou aqui por ordens dele? Mato você por prazer e ainda ganho um dragão de brinde. - ela interrompeu seus ataques.

O tiro no escuro não tinha dado certo. Já era hora de pensar em um plano B.
Esquivei novamente de seus golpes e investi com minha espada pegando fogo. Até que...

-Armain Blasto. - o sorriso de Scarlet não simbolizava boa coisa.

Selion, com lágrimas ardentes escorrendo pelos seus olhos vazios, avançou numa velocidade que eu consideraria impossível para ele e me levantou no ar com um tapa de sua cauda. Em sua boca, uma enorme chama se formava. Eu seria queimada viva se não agisse de alguma maneira. 


---------

Caos e destruição nos cercavam. O poder de nossos inimigos era muito superior, não iríamos derrota-los desse jeito. Mesmo que Scarlet ou eu derrotássemos algum deles, outro nos acertava pelas costas. Sempre estivemos em desvantagem.
Mas em algum momento, Scar parou de lutar. 

-Scarlet! - Mat pediu por ajuda.

Ele estava encurralado contra uma parede, sendo cercado por 5 guerreiros com espadas de cobre enferrujado em mãos. Era notável que sua energia estava baixa. Ele já lutava antes mesmo de chegarmos, então por mais que fosse um esplendido espadachim, seria derrotado logo.
Eu iria ajudar, se pudesse. Mas estava tentando me salvar primeiro. Tive que deixar o trabalho com Scarlet.
Ela não se moveu. Permaneceu parada, observando enquanto nosso amigo era atacado por aquelas lâminas oxidadas.
"Por quê...?"
Fui acertada pelas costas e desmaiei. A última coisa que vi antes de cair, foi meus companheiros caindo junto comigo, enquanto Scarlet girava a cabeça, observando ao redor, com um olhar frio de reprovação.

Acordei com muitos gritos irrompendo meus ouvidos. Alguém me amarrara em uma cadeira, e agora não conseguia me soltar. Minha boca estava amordaçada, não podia usar magia. Eu estava completamente presa. 

Os inimigos caíam perante Scarlet, que agora os atacava impiedosamente.
"Scarlet? Por que só age agora?" eu pensava tristonha. 
Como um efeito dominó, ela habilmente derrubava um dos invasores e os empurrava, levando a queda do mais próximo deste último. Aos meus veres, ela tinha tudo sob controle.
Em pouco tempo, todos estavam no chão, indefesos e abatidos. Eu nunca a vira lutar daquele jeito antes.
Após derrotá-los, eu esperava que ela viesse nos soltar. Mas ela tomou outro rumo. Levantou um dos guerreiros pela sua armadura e o jogou contra a parede, mantendo-o de pé segundo seu pescoço, que sangrava por ser perfurado por suas unhas afiadas.

-O quê vieram fazer aqui? - Scar perguntou.


-Derrotar esses recrutas antes que pudessem nos representar uma ameaça! - ele vomitou as palavras, tremendo de medo.


-Continue o que estava fazendo. Mas não se aproxime de mim, senão... - ela apertou seu pescoço e o jogou para o lado.


Tossindo, ele se juntou a um último guerreiro que eu não vira antes. O único de pé. O líder deles, o cara com o machado, usando uma armadura ensanguentada e completamente arranhada. Sua face ainda estava coberta por seu elmo rubro, a única parte da armadura que não havia sido sequer tocada, mas eu conseguia identificar uma pequena parte de seu cabelo castanho.

Scarlet o ignorou completamente. Passou por ele e foi embora, parando somente para dar uma última olhada para cada um de nós.

-Precisava ser assim. Se eu perder mais tempo, minha presa vai fugir. - foram suas últimas palavras antes de desaparecer para sempre.


-Você ouviu o que ela disse. - a voz do cara com o machado me era tão familiar - Levantem-se! 


Os guerreiros levantaram. 

Mat foi o primeiro a sofrer. Tudo que pude fazer era vê-lo sendo esfaqueado enquanto um dos invasores furava seu peito com uma das facas que Scarlet deixara no chão.
Eu quis gritar, pedir por ajudar, invocar algum guardiã, qualquer coisa. Mas eu não podia. Eu não conseguia. Fui forçada a assistir enquanto seu corpo sem vida caía no chão, com sangue saindo aos montes de sua boca. 
Sua boca se mexeu antes de tocar o chão, como se estivesse tentando dizer alguma coisa. Eu nunca descobri o que era.

-Agora esta maga bonitinha aqui. O que podemos fazer com ela, chefe? - um dos guerreiros passou sua faca devagar pelo meu pescoço.


Todos eram horríveis. Feios, fétidos, abomináveis e imbecis. Se fosse para morrer, preferia me matar do que me deixar morrer para pessoas como eles.

Tentei ao máximo romper a mordaça de pano que colocaram em mim, mas tudo que fiz foi chamar sua atenção. Dois deles enfiaram ao mesmo tempo suas facas em meus olhos, enquanto outro espetava meus braços com sua espada ornamentada.
Tudo ficou escuro.
Com um sentido a menos, a dor se intensificou. E eu não conseguia nem gritar de dor.

-Rápido! - uma voz familiar gritava.


"Eu ainda estou viva?"

"Por que não consigo falar? Não sinto mais nada em minha boca!"
"Não... Não sinto mais nada no meu corpo..."
Minha mente entrou em colapso. Não conseguia me mexer, não conseguia falar, não conseguia me manifestar de forma alguma. 
A dúvida mais frustrante era também a mais assustadora. Eu estava, realmente, viva? Ou então era essa a sensação de se estar morta?

-Vamos... curar você... - eu ouvia pequenos trechos das vozes que gritavam em meus ouvidos - Ming... venha ráp... selar...!


Perdi a consciência novamente. Se é que eu a tinha recobrado.



---------

Não. Não iria acabar daquele jeito, eu não ia perder para alguém como ela.
Selion jogou todo o fogo que estava carregando diretamente em mim. Tudo que eu via ao meu redor era fogo. Eu estava sendo incinerada? Não.
No fundo, Selion não queria me... nos machucar. O fogo cobria tudo ao meu redor, literalmente, ao meu redor. Ele estava me contornando. Tudo que eu sentia era o calor produzido, sem dano algum. 
Ele estava voltando a si. Com um pouco de ajuda, voltaria ao normal. 
Usei uma magia básica de levitação para cair intacta no chão. Essa batalha já durou tempo demais.

-Mas que diabos... Tsc. Justo o dragão que eu capturo é o mais inútil de todas as gerações! - Scarlet reclamava de Selion para si mesma.

O cubo no centro da sala pareceu se agitar mais. Annie e Stephie devem ter conseguido invadi-lo novamente. Agora era uma questão de tempo até ele ser aberto.

-Yousuke, Kathryn, podem ficar na força defensiva? - Gen comandava-os - Eu sei que não estão atacando, mas sinto que é melhor deixarmos Melody cuidar de Scar sozinha.

-Desculpe, mas... Desde quando você tem poder para liderar? - Yousuke tentou perguntar de uma maneira menos rude, mas foi rude mesmo assim.

-Desde nunca. Só acho que é o certo a fazer no momento. Impeçam os ataques de Selion e protejam Misake e Gar. Confiem em mim. - Gen voltou a cuidar do irmão.

Eu entendia sua ideia. Me isolar com Scarlet era uma boa ideia, afinal, eu podia com ela sozinha, sem ajuda de extras. Seria fácil derrotá-la assim.

-Scarlet, agora eu já estou cansada. Essa briguinha idiota já levou o tempo que devia durar, vamos acabar com isso de uma vez! - pedi.

-A culpa não é minha se você não aceita morrer. - ela bufou.

-Sem Selion, sem magias. Arma contra arma. Está bom para você? - sugeri enquanto preparava um ataque.

Scarlet deu de ombros.
Ela não iria obedecer a essas regras. Chamaria Selion assim que sua situação ficasse crítica. Eu esperava por isso.

-Seus olhos... Demorei para notar, mas eles mudam de cor agora? - Scarlet sorriu - Por quê será, não é?

-Você sabe bem o porquê...

Investi e acertei seu braço.

-Ora sua... Não era para ser uma luta justa? 

Ela pegou seu chicote e acertou minha mão. Deixei uma lágrima cair, mas não larguei minha katana de jeito nenhum. 
Cortei o ar próximo a ela. Como de esperado, sua ação-resposta foi desviar para o lado. Neste momento, chutei-a com força. Tinha muito o que acertar com ela.

-Tsc. Hora de jogar sério. 


---------

-Você está bem? - Kathryn fazia cafuné em mim.


-Kathryn...? O quê aconteceu? A BASE! TEMOS QUE... - não conseguia levantar, estava muito fraca.


Kathryn pediu para me acalmar, para fazer silêncio.


-Está tudo bem agora... Sem mais invasores, sem mais lâminas. Eles se foram.


-E quanto a Scarlet? Onde ela está? 


Ela não respondeu. Olhou para o vazio, como se fosse melhor eu não saber o que aconteceu.

Minha visão estava embaçada. Primeiro pensei que fosse por ter acordado a poucos momentos, mas a visão não retornou com o tempo.

-M-meus olhos... M-minha visão... 


-Calma, pode parecer estranho mas... Fizemos o possível... - ela me abraçou.


Lembrei-me dos invasores perfurando meus olhos com as suas lâminas. Aquilo era real. Eu estava... cega?


-Não, você não está cega, eu jamais deixaria isso acontecer! - Kathryn leu meus pensamentos.


"Então... Por quê?" eu não queria usar as palavras. Minha voz estava tão fraca e indefesa que me fazia rejeitá-la.


-Tivemos que selar você... Mas está tudo bem, sério. Você ficou até mais descolada. - Kathryn soltou uma risadinha nervosa. 


"Mas eu não posso ver!"


-Você deve recobrar sua visão daqui a pouco, acalme-se...


Ela estava certa. Cerca de dois silenciosos minutos depois, minha visão começou a focar novamente. Eu estava na enfermaria de nossa casa. Não havia mais ninguém comigo.

As paredes brancas estavam claras demais, me forçaram a fechar os olhos.

-Um espelho, por favor. - pedi.


-Melody...


-Um espelho! - reforcei o pedido.


Eu queria ver. Eu precisava ver o quê eu tinha me formado.

Kathryn pôs em minhas mãos um espelho circular com um cabo de plástico com as palavras "melhore logo" escritas em uma pequena plaquinha, sendo segurada por um panda. 
Fechei os olhos e aproximei o espelho da cara. Respirei bem fundo e os abri.
Não soube como reagir. Meu cabelo, originalmente negro, agora tinha pontas amarelo-queimado, e meus olhos, que anteriormente eram azuis, agora eram da mesma cor das pontas de meu cabelo. 

-K-Kathryn... Isso... 


-Acalme-se. Não pintamos seu cabelo nem nada do gênero. Selamos seu poder. - ela explicou enquanto passava a mão pelo meu braço.


-Selaram meu poder? Quer dizer que me tornei inútil para vocês? Não posso mais usar magia? - eu não conseguia tirar os olhos do espelho.


Eu não reconhecia mais quem eu estava vendo.

E então, meus olhos mudaram de amarelo-queimado para um tom fraquíssimo de roxo, junto das pontas do cabelo.

-O quê? Estou vendo coisas?! 


Mudaram novamente para vermelho escuro.


-O quê está acontecendo?!


-Shhh... - Kathryn pediu por silêncio - Você não está "inútil". Só precisa de mais treinamento, só isso. Veja bem, fomos forçados a trancar parte de seu poder. Foi o quê tivemos que fazer para mantê-la viva. 


-M-mas... Essas cores...


-Isso são suas emoções. Você estava curiosa, seus olhos ficaram amarelos, depois disso, ficou triste quando pensou estar inútil, por isso se tornaram roxo, entendeu? E o vermelho escuro representou seu desespero. Quando você ficar instável, sem sentimentos exagerados, se tornará lilás, a nova cor original. - ela explicou detalhadamente - Suas emoções tentam deixar seu corpo agora. Mas só tentam, porque não podem sair. Mil desculpas, mas terá de se acostumar com elas "aparecendo"...


Era muita coisa para suportar. Meus membros ficaram pesados, minha cabeça começou a doer, minhas pálpebras começaram a ficar pesadas. A última coisa que vi foi o espelho, que mostrou meus olhos semi-fechados numa cor pálida. E depois disso eu apaguei.



---------

A luta estava equilibrada demais, ninguém tinha vantagem alguma. Ambas estávamos cansadas de tanta luta, mas ainda assim não era possível determinar uma possível vencedora.

-Desiste? - ambas arfávamos de cansaço.

-Você eu acho que sim. - suas pernas fraquejavam - Não aguento mais, vou por um ponto final nisso.

O momento chegou. Ela iria chamar Selion.
Usei o resto de energia que me sobrava para correr em sua direção. Sem espada, sem nada, só precisava chegar até ela.

-CHAMASTRAIL-BLASTO! - Scarlet berrou.

Os olhos de Selion brilharam intensamente. Cheguei até Scar e a empurrei para o chão.

-O quê está fazendo?! Deveria correr por sua vida, pirralha! 

-Desculpe... - eu estava cansada demais até para falar - Agora eu sou... Uma Kamikaze...  

-Espera... Você não pretende...?

Selion apareceu atrás de nós duas, com uma enorme fonte de fogo saindo de suas mãos.

-PARE! CANCELAR AÇÃO! CANCELAR AÇÃO! - Scarlet estava com os olhos arregalados. 

Selion ignorou-a completamente. A grande massa de chamas descia em nossa direção vagarosamente, como se esperasse que algo o impedisse.
Kathryn vinha a toda em nossa direção, com a intenção de impedi-lo. No meio do caminho, ela simplesmente desmaiou. Pela expressão de Gen, podia deduzir que tinha sido ele. Mas como?

-Você vai nos matar! Você é louca, pirralha! - Scarlet lutava para fugir, mas estava tão cansada que mal se movia.

Ela gastava mais energia falando do que se movendo. 

-Ah, então ficar parada e morrer sozinha não é loucura? Se é para partir, você vem comigo. Eu sei bem que sua imortalidade não sobrevive a um ataque desses. Pelo menos não vindo dele. 

Ela estava apavorada. Por mais fria e séria que fosse, quando algo ameaçava sua imortalidade ela perdia o controle. Demorei, mas lembrei dessa sua principal fraqueza. 

-Adeus, Scarlet.

-Vá para o inferno! 

-Se uma de nós vai para esse lugar, acho que será você. - sorri.

-O quê...? 

Selion pareceu piscar um de seus olhos por um momento. Se foi real ou não, eu não sei, e não me importa. 
O fogo cobriu minha visão, e depois nossos corpos. Fomos cercadas pelas chamas, sem saber se iríamos sobreviver.

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