segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

As Pedras de Elementra - Parte 2. Capítulo 19


Selion

19. Quinto degrau.
Despertar!

Você já ficou preso dentro de sua própria cabeça?
Aparentemente, para mim, isso agora era rotina. 
Eu não queria, realmente não queria ter me transformado, mas eu não tive escolha. E agora eu acabei aprisionado em minha mente. 
Minha mente é branca e vazia. Um plano totalmente branco, sem nada. Não havia um sinal de sujeira, nem nenhum pensamento, muito menos sinal de alguma coisa. 
As vezes, se eu me concentrasse muito, mas muito mesmo, eu conseguia mandar alguma mensagem para meus companheiros, mas, provavelmente, algo imperceptível. 
Eu sentia dor, muita dor. Cada golpe no meu corpo físico, me abalava, mesmo ali. Eu não tinha a menor ideia de como me libertar, mas eu precisava, e rápido.
Ficar preso dentro daquela imensidão branca me fazia pensar como se eu fosse um passarinho dentro de um ovo. Eu não pretendia nascer de novo, então ficar ali era um incômodo. 
Cuspi sangue. Alguém me acertara em algum lugar que dói. 
Antes de tocar o chão, o sangue evaporara, mantendo a impecável limpeza do lugar. O chão era polido, o que era estranho pois não havia ninguém neste lugar.
De vez em quando eu ouvia vozes, enquanto caminhava pelo vazio. Eram vozes desesperadas, que eu com certeza já ouvira anteriormente. Suplicavam por ajuda, imploravam por socorro. E eu não podia ajudar.

-Alguém está aí? Reflexo da minha consciência? Alguém?! - eu chamava em desespero.

Eu não tinha certeza do motivo, mas ficar sozinho num lugar como aquele me deixava histérico. Eu estava perdendo a sanidade.
E então, eu ouvi uma respiração pesada, como se alguém acabara de ser libertado de uma forca, ou fugido de um estrangulamento. Segui a voz, sem nem pensar nos perigos que isso podia trazer.
"Essa é a minha mente, nada pode me ferir."
Eu fui tão inocente...
Quando parei de andar, me deparei com uma porta. A primeira coisa encontrada foi uma porta.

-Bom, sempre me disseram que eu era cabeça-de-vento... - soltei um riso nervoso.

Tanto tempo sem ouvir nenhuma voz nítida estava começando a me incomodar. Pensei em falar comigo mesmo para suavizar essa sensação.
Ergui a mão até a porta e girei a maçaneta. 
Nada.
Do outro lado só havia mais vazio, mais branco, mais espaço vazio e em branco.

-Uau, que progresso... - resmunguei, mesmo sabendo que ninguém me ouviria.

A porta atrás de mim se fechou. O branco abaixo de meus pés começou a se tornar verde. Era grama. Grama estava brotando do chão.
Uma enorme árvore começou a brotar à minha frente. Precisei me afastar para não ser levado com ela.
Agora eu estava em um ponto verde no meio de um espaço em branco. 

-O-olá... - uma voz gaguejou.

-Quem disse isso? É você, árvore? 

Eu estava a tanto tempo sozinho que começava a ficar louco. Neste momento, eu tentava dialogar com uma árvore. 
Notei frutos no meio de sua folhagem. Devia ser uma macieira.

-Árvore, você por acaso não saberia como sair daqui?

-E-eu não sou a árvore! P-pensei que você fosse m-mais esperto... - a voz me respondeu.

E então, a voz espirrou.
O espirro me permitiu notar de onde vinha a voz. De trás da árvore repleta de maçãs.
Contornei-a e me deparei com um jovem de cabelos encaracolados em tom de marrom claro. Seus olhos oliva, cobertos por um par de óculos de haste azul, arregalaram-se ao me ver.

-N-não era para me encontrar! D-droga... Por que t-tentei ajudar? - ele cambaleou para trás e tropeçou em uma raiz, caindo no chão.

-Calma, você vai acabar se machucando! Quem é você? 

-Eu não posso... - ele parou para pensar, com gotas de suor descendo de sua testa - Não devo c-contar...

Ele usava um camisa verde por baixo de um suéter sem mangas azul-turquesa. Uma névoa densa cobria seus pés e pernas, de um modo que me fazia duvidar se eles realmente existiam.

-Então o quê fará por mim? Sr. Sei lá quem?

Ele se levantou e arrancou uma folha da árvore.

-Peço que tenha cuidado com a árvore da minha cabeça. 

Ele riu nervosamente. Sua pele era amarela, como se estivesse doente, porém, agia como se estivesse bem. 
A passos leves, ele se aproximou e colocou a folha na frente de meus olhos.

-C-consegue me ver? - ele perguntou.

Não respondi. Tinha uma folha na minha cara, eu tenho cara de super herói para ter visão de raio-x? Não, certo?
Tirei a folha da frente e o encarei. Ele tapou a cara com as duas mãos, escondendo suas bochechas e olhos. Ele estava com as mãos dentro dos óculos, que estavam prestes a cair.

-Isso é tão errado... N-não é a hora para nos encontrarmos... Ele vai me matar... - Sr. Sei lá quem choramingava para si mesmo.

-Eu não estou entendendo. Você é uma memória estranha? É isso? 

-M-mais ou menos... - ele tirou as mãos da cara e ajeitou seus óculos.

Um pequeno bigode crescia em sua cara. Com essa informação e sua altura mediana, meu chute era 15 anos. 

-V-vou logo ao ponto. Encare a folha, p-por favor. - ele pediu.

"Certo. Vou começar a assistir uma folha. Que emocionante." meu pensamento soou mais como uma reclamação sarcástica comigo mesmo.
Pela primeira vez, notei as orelhas de Sr. Sei lá quem. Eram pontudas, como de um elfo.

-Espere um segundo. Você não é um...

-E-essa não! Encare a folha! E-encare a folha! - ele repetia, apavorado.

Por fim, acabei aceitando. Aproximei a folha do rosto e a encarei fixamente.

Sua cor verde começou a desaparecer, até tornar-se escura e sombria. Antes de poder perguntar alguma coisa, Sr. Sei lá quem levantou sua mão, indicando para mim esperar. Entre meus dedos, a folha diminui para um tamanho mínimo e, em uma fração de segundo, expandiu-se, formando um grande círculo de vidro sujo.
O que eu enxergava atrás dele não era o garoto estranho de óculos, mas sim o campo de batalha onde eu estava de verdade.
Eu podia ver Scarlet e Melody lutando entre si. Seus movimentos eram mais velozes que meus olhos. Eu não conseguia acompanhá-las. 
Várias partes do solo pegava fogo, havia um rio de lava separando Melody e Scarlet dos demais, e ao fundo havia um enorme dragão enfurecido. Seus olhos vermelhos fitavam as duas, assistindo a luta inquieto. 
Eu estava olhando para mim mesmo.

-O quê é isso? Como você conseguiu?! E por quê?! - perguntei para o menino de cara rosada. 

Ele sumira sem deixar rastros. 
Voltei minha atenção para a tela, um pouco irritado por ter sido deixado com tantas perguntas sem resposta. Assistir a aquilo me fazia embrulhar o estômago. Por alguma razão, eu não conseguia encarar a mim mesmo naquela forma sem sentir desgosto, reprovação. 
A tela não emitia som, mas eu conseguia ouvir em minha cabeça cada explosão, cada confronto de armas. O fogo estalando, o solo superaquecendo, eu conseguia detectar cada som. 
Fui forçado a tapar meus ouvidos com as duas mãos e me abaixar. Era como ter alguém gritando no seu ouvido com um megafone. 
Algumas folhas da árvore começaram a cair por cima de mim.
Me forcei a levantar e terminar de assistir ao "show de horrores". Ver meus amigos sofrendo daquele jeito era meu pior pesadelo. 
Meu corpo começou a ser mover. Se aproximou de Melody e a levantou no ar com um golpe de minha cauda. Eu iria acertá-la com fogo. Se eu não me impedisse, ela se tornaria um churrasquinho de Melody.

-Não, não, não! - eu gritava comigo mesmo, tentando me parar.

Tentei de tudo. Desde pará-lo (ou seria me parar?) com meus pensamentos e vontade até me estapear para desconcentrá-lo. Eu queria ser otimista, mas eu sabia que nada funcionaria, e realmente não funcionou.
Uma das folhas da árvore caíram no meu nariz. Ao tocá-lo, foi queimada até deixar de existir. 
Soquei a tela com força. Eu não queria machucá-la, eu me recusava a admitir que iria atear fogo a ela. A tela de vidro não quebrou, era mais resistente do que o esperado.
Pude sentir meus olhos começarem a lacrimejar. 
Lá fora, através da visão da tela, meu corpo chorava lágrimas feitas de lava. Nem mesmo minha parte mais rebelde e invocada desejava ferir Melody.
Meu tempo se esgotou. Meu corpo despejou todo o fogo em forma de pilar horizontal flamejante por cima dela. Eu estava com raiva de mim mesmo por deixar isso acontecer. Ordenei a mim mesmo para parar, com toda a minha raiva concentrada. Imediatamente, meu corpo não-real, o junto com a macieira, pegou fogo. Mas de que adiantava? Era tarde demais. 
Fui mergulhado no silêncio, enquanto via o fogo passando, consumindo-a. 

-Me desculpe. - eu pedi de cabeça baixa. 

Mesmo com medo de ver algo indesejável, levantei meus olhos para a tela.
Melody estava parada de pé, sem danos do último ataque.
Eu vi com meus próprios olhos. Ela realmente foi incinerada! Estava fraca para esquivar, sua energia estava baixa demais naquele momento para usar algum teleporte. 
O único jeito de ter sobrevivido, seria se meu corpo a tivesse contornado. 

-Espere aí! Eu consegui! Eu consegui me controlar! - eu olhava para minhas próprias mãos como se não acreditasse na realidade.

Agora eu só precisava repetir e me soltar, voltar ao controle. Fazer o plano era fácil, mas realizá-lo era outra história.

-Certo! Eu me concentrei, me estapeei, e me enfureci. - me sentei no chão, escorado na macieira - O que deve ter me controlado provavelmente foi a raiva. 

Por que é sempre a raiva que move minha vida? Por quê?
Tinha a leve impressão de que minha pergunta seria respondida logo.
A tela de vidro se moveu para perto de mim. Cruzei as pernas e foquei. Foquei na minha raiva, na minha fúria, no sentimento de ódio por todos os meus inimigos. 
Na tela, Melody lutava com Scarlet no mano-a-mano. Ambas pareciam muito cansadas. Desse jeito, a luta logo iria terminar, e não haveria vencedor algum.
Tentei controlar meu corpo para que ele andasse. Sem resposta.

-Ah, vamos lá! - briguei comigo mesmo.

Então, pensei um pouco a respeito da situação. Talvez eu devesse usar a raiva contra mim. Eu sei, é uma ideia louca e sem noção, mas resolvi tentar.
Obriguei-me a me odiar. Odiar aquele dragão incontrolável. Odiar o fato de ter perdido o controle. Assim, ordenei a mim mesmo para andar para perto das duas, para parar a luta. Eu consegui. Era difícil, mas consegui.
Eu estava próximo delas. Mas algo deu errado, em algum momento.
Meu corpo ficou com a respiração ofegante. Tanto o real quanto o preso no espaço branco semi-vazio.

-O quê é isso? Eu não consigo respirar!

Meu eu dragão começou a formar fogo em suas mãos. O calor chegava a queimar o oxigênio ao redor, provocando o problema respiratório.
Em alguns momentos, eu iria desmaiar, e tudo estaria perdido. 
Melody e Scarlet estavam "enroladas". Ambas estavam atiradas no chão. Melody a impedia de se mover, e Scarlet parecia desesperada.
Eu demorei para perceber, mas meu corpo planejava matar as duas. 

-Não! NÃO OUSE FAZER ISSO, SELION! - eu gritava comigo mesmo.

Minha voz não parecia a mesma. Estava rouca e seca. Estar em minha mente diminuía a necessidade de respirar, mas ainda me afetava. Eu já suportei por tempo demais. Eu não sobreviveria a aquilo.

-Pare! Por favor! Eu imploro! - eu repetia para mim mesmo, embora não pudesse ser ouvido por ninguém.

Fechei meus olhos. A imagem de Melody morrendo, levando Scarlet junto com ela, estava estampada em minha mente. Era o impulso que eu precisava para assumir o comando. A última gota d'água.
Fraco, espiei a tela uma última vez. O fogo foi atirado, era tarde demais para impedi-lo. 
Fechei meus olhos com força. Era hora de acordar.


...

Quando abri meus olhos novamente, estava de volta ao campo de batalha. Nada de árvore, nada de grama, só fogo e destruição. Abaixo de minhas enormes mãos, o fogo descia, carregando a morte de Melody e Scarlet.
Pela primeira vez, eu estava totalmente no controle. Diferente de poucos segundos atrás, ou da batalha contra Richard, onde eu era levado por meus impulsos. Agora eu conseguia me erguer contra esses instintos e fúria!
Mas uma coisa de cada vez. 
Lá de baixo, Melody parecia me observar de uma maneira confiante, como se soubesse de minha retomada do controle. 
Isso não era impossível, afinal, eu a salvara do pilar de fogo a pouco tempo. 
Ela se sacrificou de propósito, sabendo que eu despertaria. Havia um risco. Se eu não acordasse, ela deixaria de existir. Mas até o fim, ela confiou em mim. 
Agora era hora de fazer sua confiança valer a pena.
Dobrei o fogo ao seu redor, protegendo-a. Eu estava muito mais forte e poderoso, as chamas se moviam ao meu desejo sem o mínimo esforço. Ao meu redor, uma energia parecia penetrar em meu corpo, sendo absorvida por mim. Seria o tal elementra do qual ouvi falar? A energia por trás de todas as coisas?

-Melody! MELODY! - Kathryn estava em completo terror.

Suas mãos cobriam sua boca e seus olhos estavam arregalados. 
Ninguém mais conseguia vê-las. Melody e Scar estavam mergulhadas embaixo do fogo, tapadas por uma cortina de chamas. Só eu sabia de seu real estado. Sabia que estava bem e segura, intocada. 
O fogo começou a se apagar, mantê-lo era inútil. Scarlet havia sido derrotada para sempre.
Puxei o ar até preencher meus pulmões e expirei contra o fogo, tornando-o simples fagulhas que por fim se apagaram no ar.
Dois corpos estavam deitados no chão, no meio da grande cratera criada pelo fogo. Para mim, elas pareciam formigas. Eu estava realmente alto.
Por trás, fui bombardeado por cacos de gelo e acertado por chicotadas de água. Gemi de dor e me abaixei. Foi um grande erro, pois só entrei na mira de mais ataques.
Tentei pedir para pararem, mas minha voz saiu como rugido, eu ainda não podia falar.

-Parem. - uma voz pediu.

Era Melody. Embora estivesse salva, não atingida pelo fogo, ainda não conseguia se levantar pelo seu cansaço extremo. Ao ouvir sua voz, Kathryn, Merith e Adrian correram ao seu encontro. Os olhos de Kathryn estavam cheios de lágrimas.

-Não me mate de susto desse jeito! - ela choramingava enquanto falava - Eu pensei que fosse seu fim! Não faça isso comigo!

-Desculpe, mas foi necessário. E um susto de vez em quando não faz tão mal. - Melody brincou.

Kathryn a abraçou com força e pediu para Merith preparar alguma cura, ou, pelo menos, algo para dar-lhe energia.

-Eu estou bem, não fui tocada em momento algum. - Melody tentou tranquilizar Kathryn, embora não tenha conseguido.

Como era de se esperar, Kathryn se encheu de perguntas, e começou a despejar elas uma atrás da outra, sem dar tempo de qualquer pessoa responder. 

-Calma, vai devagar. É muita coisa ao mesmo tempo! 

Sentei no chão com cuidado. Habitar um corpo daquele tamanho era difícil, você permanece sempre com uma sensação estranha, com medo de acabar esmagando seus amigos enquanto se movimenta. E obviamente, sentar te deixava inquieto, principalmente por ser o chão, não uma cadeira confortável, feita sob medida para te aguentar. Não, era o chão, lugar onde pessoas caminham e habituam.

-O quê acontece agora? Vai vir mais um inimigo idiota? - Lucius rosnou impaciente.

-Ainda não vencemos Scarlet... - Melody cambaleou até ela, usando sua espada como uma bengala.

-Como não?! - Adrian resmungou - Ela está atirada no chão, sem vida! 

-Com vida. Ela ainda vive. - Gen corrigiu Adrian, sem nem mesmo desviar o olhar de seu irmão abatido.

Melody se aproximava lentamente de Scarlet. Ninguém sabia suas intenções com ela. Afinal, matar alguém imortal é impossível. Certo?

-Sabe, é realmente difícil parar alguém como ela. - Melody cravou sua katana próximo de Scarlet - Mas nós conseguimos. E agora, devemos acabar com ela de uma vez por todas. 

-E como pretende matar a imorrível aí? - Ingo coçava sua cabeça, provavelmente imaginando alguma maneira de matá-la.

-A imortalidade dela se resume a um corpo duradouro. Veja bem, não envelhece, se cura rapidamente, é mais difícil de ferir, mas não impossível. Se acertar o ponto vital certo... - Melody tirou a katana da terra e a aproximou do peito de Scarlet.

-Esse ponto vital é o coração. Se parar ele, nem mesmo esse fator de cura superior pode salvá-la. - Kathryn completou.

Melody balançou a cabeça como resposta. 

-Até mais, Scarlet. 

Me levantei em um pulo. Alguma coisa estava entre nós. Minha habilidade de sentir a presença das pessoas estava mais apurada nesta forma. 
Tentei alertar alguém, qualquer um, mas eu ainda estava impossibilitado de falar qualquer coisa que não seja um rugido estridente. Não consegui avisá-los, mas chamei a atenção de todos. Até mesmo Gen parecia assustado com meu surto repentino. 
Fui atacado. Litros de água apareceram a minha frente, me golpeando. Era como ter uma enorme mão distribuindo para mim várias séries de tapas na cara. Os tapas doíam, com certeza, mas era ainda mais doloroso saber quem me feria. Adrian e Kathryn. Eles continuavam desconfiando de mim. Na minha situação, não poderia culpá-los, eu nem mesmo consegui avisá-los sobre estar de volta. Estava confuso demais para conseguir fazer isso.

-PAREM! - Melody ordenou.

-Ele vai nos atacar novamente! Ainda está sob controle dela! - Aslan levantou a voz pela primeira vez.

Ele ficou fora durante toda a batalha, tratando de Misake, não era preciso estar consciente para saber disso. Tanto tempo sem reagir a nada, e quando resolve dizer algo, pede para me atacarem. Isso é realmente muito frio, e eu sei bem do quanto gelo é ruim.

-Ele está de volta! Parem os ataques! - Melody tentou desviar os golpes, mas estava fraca para isso.

-Se ele está de volta, por que continua do tamanho de um prédio?! - Adrian questionou.

"Por quê eu não sei voltar ao normal!" tentei repetir diversas vezes, mas novamente, só rugidos saíram de minha boca.

-Talvez ele não saiba. Pensem bem, ele não domina isso completamente, e a Scarlet só piorou tudo, talvez ele esteja tentando, mas não consiga voltar. - Melody parecia ler meus pensamentos ao explicar o que vinha tentando dizer a um bom tempo.

Melody voltou sua atenção para Scarlet, pronta para acabar de vez com ela. Só tinha um problema: Scarlet não estava mais atirada no chão. Ela estava de pé, com seu corpo chamuscado e com a cara preta pelas cinzas.

-Pirralha... Se queria acabar comigo, devia ter feito isso de uma vez, não parado para conversar com seus amiguinhos. - Scarlet empurrou Melody com uma força imensa, colidindo-a com Kathryn.

Seu fator de cura era muito maior que os de qualquer um naquele lugar, mas levantar tão rápido depois de um ataque daqueles era uma coisa que eu considerava impossível.

-Você me decepcionou, Selion. Devo te punir por isso. - seus olhos brilhavam intensamente, provavelmente por causa do fogo - Akai Dragna!

De início, não senti nada. Mas então, uma dor começou a subir por minha espinha. Era como ter uma garra me rasgando de dentro para fora. Os comandos ainda me dominavam. Scarlet ainda me detinha à rédea curta.

-Sente isso? É por ter sido tão insolente. Agora você vai se torturar o quanto eu quiser, e só irei parar quando alguém neste lugar morrer. 

-Eu não acredito que alguém como você fez parte de nosso grupo... Você é uma desonra para a raça humana! - Kathryn deitou Melody com cuidado no chão e se levantou.

-Raça humana? Quem disse que eu sou dessa raça, para início de conversa? - ela abriu suas mãos e as fechou com força logo em seguida - Eu sou de uma raça muito superior a de vocês. Não sou detida por sentimentos inúteis, sigo em frente para alcançar minhas ambições, passando por cima de quem for necessário para isso!

"Alguém tem que pará-la, antes que seja tarde demais!"
Me convenci a engolir toda a dor e agir. Levantei minhas mãos e tentei esmagar Scarlet, usando toda a força de meu corpo. Segundos antes de acertá-la, fui paralisado por seu olhar frio e fulminante. Meu corpo não me obedecia mais. Fui forçado a me afastar contra minha vontade.

-Sente-se quietinho, cuidarei de você mais tarde. Eu não admito servos desleais. - Scarlet marchou até meus amigos, enquanto eu assistia sentado no chão, imóvel.

A dor voltou a me afetar, dessa vez com força total. Tive a sensação de estar sendo rasgado, de ter uma enorme fissura em minhas costas, minhas escamas sendo arrancadas de mim uma a uma. Meu rugido foi ensurdecedor.

-Pare imediatamente! Não ouse continuar a machucá-lo! - Melody se levantou.

-O quê vai fazer? Me bater? Olhe só seu estado, pirralha. - Scarlet zombou. - É uma pena, mas você não tem capacidades curativas como as minhas. Tente novamente na sua próxima vida.

-Engraçado você falar de "próxima vida", Scarlet. - Gen ergueu sua voz - Até porque, você não terá a sua, não é mesmo?

Silêncio. 
A fala de Gen penetrara na mente insana de Scarlet, forçando-a a pensar antes de respondê-lo.

-Eu sou imortal. Nunca vou morrer, é óbvio que não haverá outra vida! 

-Não é bem assim não. Você pode morrer. Quase perdeu a vida, a pouco tempo atrás. Mas falando sério, o quê acha que acontecerá quando você se for? Acha que vai recomeçar tudo de novo, renascendo? Acha que vai se manter viva no inferno? Não é bem assim. - a pele de Gen estava pálida e seus olhos dourados mais sombrios que outrora - Vasculhei sua mente. Certas coisas são realmente interessantes. Tipo o preço que pagou por sua imortalidade e como a obteve.

-O quê está tentando fazer? Quer me amedrontar, idiota? 

-Pelo contrário. Quero que você continue, pois você não durará. Você sabe de onde vem esse seu fator de cura? Já se perguntou isso? - Gen voltou sua atenção ao seu irmão - Você é tão inocente, Scarlet Dra Crimzon.

Não sei ao certo se era o objetivo, mas Gen conseguiu confundi-la. Sua expressão era de pura dúvida e ansiedade, como se tivesse esquecido de dar atenção a algo muito importante, mas logo esse sentimento foi substituído por raiva. Scarlet investiu contra Gen, passando por todos à sua frente. Antes mesmo de ter a chance de vê-la, Scarlet o agarrou pelo pescoço e o levantou.

-Aonde está sua coragem agora? - ela o jogou com força no chão.

Primeiramente, pensei que Gen sucumbiria à dor, mas ele se manteve neutro.

-Você não entende, não é? Golpes físicos não vão fazer você se sentir melhor. 

Antes de Gen conseguir levantar, Scarlet o chutou novamente.

-Scar, entenda. Seu fator de cura não é infinito, muito menos essa sua falsa imortalidade. - Gen se levantou a tempo de desviar do próximo golpe - Vou esclarecer para você. Toda vez que você se cura, toda vez que foge da morte, uma coisa é tirada de você. Eu chamaria de força vital, mas a galera que entende do assunto chama de elementra, não estou certo, Kathryn?

-A força primária de todas as coisas, você está certo. - Kathryn respondeu-o.

-Viu só? Você vai morrer se continuarmos te matando. E você sabe que podemos fazer isso, o grandão ali está do nosso lado agora. - Gen estava seguro de suas palavras, mas mal sabia ele sobre meu estado de descontrole atual.

-Morra, verme inútil. - os cabelos não simétricos de Scarlet caíram sobre seus olhos, deixando-a com um ar mais sério e frio.

Ela pôs sua mão em cima do lado superior direito do peito de Gen, cravando suas unhas com força, fazendo esforço para arrancar sua pele fora. Como reflexo, Kathryn e Adrian trocaram olhares, como se estivessem prestes a realizar um plano já bolado e debatido a um bom tempo. Kathryn criou água no chão e Adrian a moveu, usando gestos corporais, até o corpo de Scarlet, sua cabeça, especificamente, fechando uma bolha de água ao redor da mesma, impedindo-a de respirar.
Ela largou Gen imediatamente e começou a se debater, tentando tirar a água com as mãos. Dava a impressão de que Scarlet estava com falta de ar antes mesmo de ter sido pega na pequena armadilha de Adrian.
Quando não conseguiu se soltar, Scarlet alcançou seu chicote e acertou Adrian diretamente na barriga, fazendo-se inclinar de dor, interrompendo o feitiço.

-Vocês... Suas pragas! - Scarlet estava enfurecida - Então Selion está com vocês? Vamos testar isso! 

Perto dali, Merith ainda tratava de Melody, que neste momento já estava mais disposta e preparada. Kathryn, Adrian e Yousuke tentaram posicionar-se para impedir sua passagem, mas foi inútil, Scarlet enfurecida parecia ter o dobro de sua força.
Ao se aproximar, alguém se aproximou. Pela primeira vez, eu via Ingo se erguer contra Scarlet.

-Não ouse ferir qualquer uma delas. - ele tinha uma espada em mãos, invocada a pouco tempo por seus poderes do vácuo - Eu não permitirei! 

Ele segurava a espada de metal enferrujada com tamanho mal jeito, parecia nunca ter usado uma antes na vida. Talvez nunca mesmo tenha segurado uma outrora.
Ingo investiu contra ela, milagrosamente acertando sua barriga. Mas se só isso fosse necessário para pará-la, seria bom demais.
Como se fizesse apenas cócegas, Scar tirou a espada de seu tronco e a atirou longe, empurrando Ingo junto da espada.

-Ingo! - Merith chamou preocupada, parecia não ter notado quem se aproximava.

Scarlet ergueu Merith pelo pescoço, como fez com Gen, e a atirou junto de Ingo, fazendo-a ferir-se com a espada mal posicionada.
Agora, Scarlet encarava Melody, como se esperasse um longe discurso de despedida.

-Últimas palavras? - Scarlet pisou em cima de seu peito - Você sabe que eu posso te matar só assim, não é?

-Tem razão, esse seu chulé vai acabar me matando.

-Pirralha arrogante! - Scarlet tirou uma pequena faca de seu ombro e a atirou contra Melody.

Eu queria fazer algo para ajudar, eu não podia ser somente um telespectador naquele lugar, mas duas coisas me impediam. A minha falta de controle, e essa dor me impedindo de andar. 
Rugi de dor novamente. Toda vez que eu tentava restabelecer meu corpo, a dor se amplificava cada vez mais. Eu não passava de um dragão sofredor inútil naquele momento.
Mas para minha sorte, Melody não corria grande perigo. Quando a faca se aproximou de seu rosto, Melody desapareceu do chão, arruinando o equilíbrio de Scarlet, e reapareceu atrás dela, onde prendeu seus movimentos pondo sua espada contra seu pescoço.

-Você não consegue arranjar truques novos? - Scarlet bufou - É uma pena você ainda estar fraca. 

Quando notei, a situação se invertera. Scarlet agora segurava a katana contra o pescoço de Melody. 
A dor começou a passar pelo resto do corpo, era como ter o corpo rasgado ao meio, com uma eterna sensação de queimação que dragões não deveriam sentir. Era difícil acreditar no fato de palavras estarem literalmente machucando-me, mas lá estava eu, fazendo esforço para aguentá-las.

-Acabou. - Scarlet afastou a katana e a reaproximou, pronta para dar o último golpe em Melody.

"NÃO!" eu ainda não conseguia me manifestar sem ser por rugidos.
Em algum momento, fui jogado no chão por uma força exterior. Foi um real sacrifício para levantar novamente. Meus músculos não me obedeciam, era como se uma parte de mim preferisse ficar deitado para morrer. Mas eu não iria desistir, eu não podia me dar ao luxo disso.
Avancei em direção de Scarlet, pronta para acabar com ela (falando parece fácil). Então eu os vi.
Melody estava relativamente bem, estava viva. Mas havia um grande corte em seu pescoço. Seu pescoço despejava sangue. 
A katana roubada de Scarlet foi interrompida por outra espada. 
"Como? Por quem?" eu pensava assustado, mas me sentia extremamente feliz em saber que ela estava bem, afinal de contas.
Segurando a espada que salvara Melody, estava um garoto com cabelos pretos, usando uma armadura leve de metal. Seu nome era Lief. A pessoa que eu sentira se aproximar a pouco tempo atrás.

-O quê pensa que está fazendo, foguinho da espada? - Scarlet perguntou furiosa, com os olhos fulminando Lief.

-Nós conversamos sobre isso, Scar. - Lief respondeu, encarando Scarlet de volta - Você. Não. Vai. Matar. Melody.  

Melody tentou se levantar, pronta para fugir, mas infelizmente, Scarlet a percebeu. Com a mão livre, Scarlet tirou um pano de seu bolso e o pressionou contra o rosto de Melody. Seu corpo deslizou até o chão, indefeso.

-Você ainda não entendeu? Não deve feri-la! Eu não permitirei! - Lief investiu contra Scarlet. Agora eu não sabia se o tratava como amigo ou inimigo.

Scarlet não teve outra alternativa, a não ser enfrentar Lief. Você sabe quando a situação fica feia, no momento em que inimigos começam a se atacar.
Aproveitei a cena para pegar Melody e levá-la para longe. Eles estavam ocupados demais para notar um dragão do tamanho de uma casa de dois andares raptando sua inimiga em comum. Tirá-la de cena foi difícil para mim, uma vez que minhas força era descomunal, e eu não soubesse regulá-la. Um passo em falso, e quem a mataria seria eu.
"Não, por mais descontrolado que estivesse, eu não seria capaz disso. Até meu pior lado, o mais horrendo e psicótico, sabe bem quem ela é. Eu devo protege-la, principalmente numa hora como esta. Não posso vacilar, não posso falhar! Ela é importante, por algum motivo..." meus pensamentos soavam alto em minha mente.
Ao ver seu rosto, deitado na palma da minha mão enquanto me aproximo de Kathryn e dos demais, não posso me sentir de outra maneira a não ser bem.
É um motivo pelo qual devo lutar. 

-Selion? - Kathryn chamava repetidamente.

Me abaixei com cuidado, para não esmagar nenhum de meus amigos. Isso não seria bem visto pelos outros, não é?

-Selion! - outra voz me chamou.

As vozes começaram a ficar distantes. Primeiro, pensei que me chamavam simbolicamente, por ter me aproximado depois de tanto sufoco pelo controle de meu corpo. Mas então, as vozes começaram a ficar mais alta, e soavam como pessoas preocupadas. 
Meus olhos estavam se fechando? Eu não conseguia saber. Não conseguia sentir meu corpo. A dor tomou posse de mim novamente, não que eu tenha conseguido fazê-la parar. 


...

-Pelo amor dos Deuses... ACORDA! - uma voz gritou em meu ouvido.

-MAS O QUÊ... - abri meus olhos em um susto. 

Eu teria pulado, se não tivesse uma força impedindo-me de me mover.

-Espera... Eu posso falar? Eu não estou mais rugindo! - comemorei.

-Você tentou desmaiar, mas nós não deixamos. Não é hora para isso, Scarlet e Lief podem acabar se entendendo! Se isso acontecer, acabou pra mi-... Pra gente! - Ingo deu-me uma leve explicação da situação, com um ar histérico.

Tentei me levantar, mas algo me impedia.
Me senti muito burro por não ter notado que havia alguém em cima de mim. 

-E-então... Você está acordada? - tentei falar com Melody, que se encontrava deitada em meus braços.

-Não se mexa, estou quase terminando de tratar do pescoço dela. Não é um incômodo pra você mesmo, não é? - Merith advertiu rindo.

Ela ainda não acordara do veneno de Scarlet. Para minha sorte, eu sabia que era inofensivo. Até eu que vivera na estrada já o conhecia através de filmes. A única diferença se resume ao fato de que eu não assistira a tais filmes em minha casa ou no cinema, mas sim no lar das pessoas que me deixavam passar a noite em suas casas. Ser um andarilho não é nada fácil.

-Acabei. Ela deve acordar em alguns segundos. - Merith se afastou.

Examinei o pescoço de Melody. Merith costurara o rasgo em seu pescoço e limpara o sangue. Aparentava ter sido tratada por doutor Frankenstein, mas pelo menos, estava melhor.
Ela começou a se mexer, deveria estar acordando.

-Galera, eles estão parando de lutar! Imagina só se eles se entenderem! - Ingo alertou a todos.

Eu ainda não sabia se Melody acordara ou não, então procurei não me mover. Mas pelo jeito, ela resolveu fazer o contrário. 
Ela me abraçou e sussurrou algo em meu ouvido.

-Obrigada. 

-Não se preocupe com isso. - eu a respondi sem jeito - Eu já causei muito problema pra merecer gratidão de qualquer um. 

Ela se levantou e estendeu a mão para mim.

-Não precisa ser tão duro consigo mesmo. Scarlet sabe bem como ferrar os miolos das pessoas. 

Eu agarrei sua mão e levantei. 

-Seu pescoço não está doendo? - eu não me sentia seguro em relação àquele curativo feito as pressas.

-Acredite, eu já passei por coisa pior... - por algum motivo, ela colocou uma de suas mãos no seu olho esquerdo, como se estivesse protegendo-o de algo.

Seus olhos estavam lilás, mas isso mudou quando Melody notou Scarlet lutando com sua katana. Agora eles estavam vermelho vivo, tanto seus olhos quanto as pontas de seu cabelo, e chegavam a dar medo.

-Isso é para você, eu imagino. Deve ser um substituto resistente até obter o original de volta. - Ingo estendeu uma espada para Melody, a mesma que eu o vira usar para proteger Merith.

Melody agradeceu-o e deu alguns passos a frente. Eu a impedi.

-Recupere-se um pouco, eu tenho uma ideia. - minha fala saiu na hora exata, pois naquele mesmo momento, Scarlet e Lief pararam de brigar entre si.

Não dei tempo para Melody reagir, estendi minha mão para o lado, onde meu arco apareceu em um passe de mágica, chamado Polar e Magna. 
"Precisa de alguma ajuda?" uma voz metálica perguntou-me.
"Ajudem os feridos, é o que podem fazer."
"Entendido." uma voz metálica, dessa vez feminina, me respondeu.

-Como você voltou ao normal? - Scarlet exigiu saber, pasma - Bem, isso não importa. Vai voltar agora mesmo! Akai Dragna!

Continuei me aproximando. Eu não serei pego dessa vez. Eu fui estúpido de mostrar as garras mais cedo, e acabei descontrolado, criando rios de lava, machucando meus companheiros. Mas dessa vez não aconteceria, até a minha burrice têm limites. 

-Tsc. Não funcionou, mas não se preocupe. Uma hora ou outra você vai sucumbir à mim. - por sua fala, pude notar a existência de algum plano reserva em sua mente.

O jeito, era impedi-lá antes de colocá-lo em prática. 

-Deve ser muito corajoso para aproximar-se desse jeito com um general da Grand Destruction em sua presença. Ou melhor, deve ser muito burro. - Lief zombou.

-General? Nossa, muito impressionante. Quem sabe assim seus superiores te matam por último quando tudo acabar? 

Lief e Scarlet trocaram olhares. Quando amigos fazem isso, é algo bom, mas quando inimigos fazem isso, significa que cabeças vão rolar. 

-Eu vou ajudar você, se está tendo tanta dificuldade de parar pessoas como ele. Mas você entendeu, não é? A Melody não está na sua lista de alvos. - Lief advertiu Scarlet.

Scarlet não respondeu-o, simplesmente virou a cabeça para o lado, como se seu orgulho não a deixasse responder, pois definitivamente não deixava.
Parando para pensar, Lief realmente acreditava na possibilidade de ter Melody em sua equipe? Conheço ela a menos tempo, mas sei bem que isso nunca aconteceria.

-Selion, Selion, Selion... Você não veio para esse lugar sozinho, sabia? - Kathryn se aproximou, sendo seguida por Yousuke.

-Quanta enrolação, pelo amor de... Droga, nunca soube completar essa frase. - Lucius resmungava, brincando com um cubo vermelho em mãos.

Tentei me manter equilibrado mentalmente para não atear fogo à Lucius.
A batalha começou. Scarlet e Lief investiram em nossa direção. A espada de Lief reluzia com um brilho intenso, tornando extremamente difícil prestar atenção nele sem cegar-se.

-Como um arqueiro luta sem flechas? - Scarlet gargalhou, enquanto guardava a katana em sua bainha, depois segurando-a com a boca.

Scarlet empunhou seu chicote e avançou em minha direção. Ela me acertou diretamente na barriga com seu chicote, como de esperado, mas mantive-me firme. A seguir, passou diretamente por mim, indo em direção de Merith, Ingo, Gen e... Melody. Isso já não era esperado.
De relance, ouvi cacos de gelo quebrando-se e fogo estalando, como resultado do confronto entre o gelo de Kathryn e o fogo de Lief. Ela teria de me perdoar, eu não podia ajudar nesse momento.
Ao seguir Scarlet, quase deixei o fogo me consumir, libertando assim Flamus novamente, sendo que a poucos segundos eu me prometera não fazer isso novamente. Eu precisava lutar nessa batalha sozinho, sem a ajuda de um terceiro sobrenatural. 

-Sentiram saudades? - Scarlet pulou no chão, dando assim uma cambalhota, e finalizando com um chute diretamente no estômago de Gen.

Ele caiu no chão instantaneamente. Seu corpo não era resistente o suficiente para uma batalha corpo-a-corpo real.
Ao ver a cena, os olhos de Melody brilharam ainda mais, e teriam pegado fogo, se fosse humanamente possível. Seu primeiro golpe foi falho, acertando nada além do vento. Scarlet nada mais fez que rir e empunhar sua espada, agarrando sua bainha com a mão livre.

-O quê é isso? Vai pegar leve comigo? Eu não preciso, querida. - Scarlet deu a volta por seu corpo, pronta para acertá-la com a katana roubada.

Melody abriu um sorriso. Antes de Scarlet conseguir realizar seu movimento, Melody completou o seu último ataque, formando um U diagonal, girando em torno de si mesma, acertando assim Scarlet, sua mão segurando a katana, mais especificamente. 

-Eu não erraria um alvo fácil como você. - uma vez livre do controle de Scarlet, a espada voltou para as mãos de Melody, sendo puxada por alguma força exterior - Credo, por que você tinha que babar nela?!

Scarlet não se abalou com o ataque, pelo contrário, aproveitou a brecha criada, atacando com a bainha. O alvo deveria ser Melody, seu pescoço ferido, para falar a verdade. Mas eu não estava ferido, eu podia aguentar. Pulei na frente do ataque, bloqueando com meu arco. 
Eu não saí ileso, mas Scarlet não segurara a bainha com muita força, permitindo-me tirá-la de sua mão, prendendo-a no meio de meu arco.

-Mas você é um dragão muito irritante! - Scarlet rugiu.

Eu não era a única criatura selvagem (e irracional) do lugar.
Joguei a bainha de volta para Melody. Agora ela pôde finalmente se desfazer de sua espada provisória e lutar de verdade.
Eu estava pronto para acertar um golpe no meio da cara chamuscada de Scar, quando uma luz cegou a todos nós, incluindo nossos rivais. Uma voz gritava em uma língua incompreensível. Aos meus ouvidos, consegui somente entender poucas coisas. Meus conhecimentos eram limitados, mas para mim, parecia algo em latim. 
Ita ... bestiae corpus ... infinita ... flammis ... Domino, Dominus ... Aron.
As vozes dos outros ao redor tornavam difícil entender tudo, ouvindo somente estas palavras soltas e de significado desconhecido. Com exceção de uma. Aron. O motivo de estarmos aqui.
A luz abaixou. Algumas pessoas estavam deitadas no chão, abaladas, como se tivessem sido atropeladas. Kathryn e Yousuke estavam em péssimo estado. Seu corpo estava vermelho, com queimaduras em todos os lugares, principalmente em volta de seus olhos.
Para minha surpresa, Scarlet também se encontrava no mesmo estado, com uma leve diferença. Lief agarrava sua mão, pronto para quebrá-la. A mão de Scarlet segurava o cabelo de Melody, e sua mão livre uma de suas facas. O ferimento de Melody se abrira novamente, forçando-a a manter sua mão sobre ele, para impedir o sangramento.

-Eu confiei em você. - Lief torceu a mão de Scarlet com força.

Ele estava diferente. Sua espada flutuava ao seu lado, e havia dobrado de tamanho. O fogo cobria cada centímetro de sua lâmina, agora negra com labaredas branca, incrustada com uma pequena pedra vermelha, bastante conhecida para mim. Uma das pedras de Elementra, a pedra do fogo. Pedra em posse atual da Grand Destruction, quando alguém roubara-a de nós, sendo Richard esse alguém.
O corpo de Lief não era mais o mesmo. Seus olhos eram vermelhos como fogo, semelhantes aos de Melody à poucos minutos, seu cabelo estava mais negro do que nunca, como cinza expelida por um vulcão, e sua pela estava ressecada e brilhante, como se minúsculos canais de lava escorressem livremente entre sua pele.
Aquele era o poder total de uma pedra? Eu tinha medo de pensar no que aconteceria se perdêssemos a posse de nossa última pedra, a pedra da água.
Mas estava tudo sob controle, ela estava segura, por hora.

-Lief? O quê você... Por quê?! - Melody questionou-o.

Afinal, não é todo dia que alguém tentando destruir/controlar o mundo salva uma das pessoas tentando detê-lo.

-Minha oferta continua válida. Una-se a nós. Una-se a mim. - Lief largou a mão de Scarlet, largando-a de lado como se não fosse importante, e ficou de joelhos, de frente para Melody - Serei seu cavaleiro, e passaremos a eternidade juntos. Ao ficar do nosso lado, você obtém a imortalidade, a melhor vida possível, tudo que puder imaginar! - ele pegou sua mão e a beijou - Aceite, você não se arrependerá.

Eu não conseguia observar aquela cena sem me sentir mal de algum jeito desconhecido. Isso não deve ter ficado claro, mas eu passei toda a minha vida afastado das pessoas. Até mesmo as pessoas próximas a mim tratavam-me como se eu fosse um estranho, um visitante ou até mesmo um intruso. Sim, estou falando de meus pais. E por culpa disso, eu não faço muita ideia sobre "sentimentos".
Mas uma coisa era certa, nesse momento, eu não sentia um dos bons.

-Lief, eu não... - Melody tentou se afastar.

Lief não desistiu, se aproximou ainda mais. Perto demais, se permite-me dizer. Eu precisava pará-los, ou então esta cena de guerra poderia se tornar uma cena romântica. 
Já era hora de acabar com isso.

-Ela disse não. Sabe o quê isso significa? - ajudei Melody a se levantar, afastando-a de Lief.

-É uma escolha dela, você não pode interferir. Eu até convidaria você também, mas é fraco e inútil demais até para um soldado descartável. - Lief me confrontou.

Era preciso lutar para pará-lo. 
Dei uma última olhada ao redor, na tentativa de obter informações sobre as capacidades de Lief. De pé, só restavam eu, Lief, Melody, Lucius e Aslan. Scarlet era um caso a parte, estava agachada resmungando consigo mesma. Não representava uma ameaça.
Os demais, todos não puderam resistir ao poder da pedra. Gar e Richard não foram tocados.
Pela primeira vez, eu notara a ausência de Troian, Annie e Stephie. Mas se bem me recordo, as duas ninjas tentavam invadir o cubo inquieto no centro do lugar. Troian deve as ter seguido por algum motivo.

-Eu já entendi o que está acontecendo. Desista, Selion. - Lief pegou sua espada.

O pescoço de Melody sangrava muito, em pouco tempo, algo grave poderia acontecer. 
"Acordaremos Merith." 
Eu não preciso dizer o quanto amo esses Seres Magnéticos, não é mesmo?

-Eu não vou desistir, tenho que protege-la. Eu vou fazer o meu melhor por ela, e por qualquer outra pessoa ferida pela Destruction. 

-Você está falando sério? Acha que é uma espécie de super-herói? Francamente... - Lief apontou sua espada para cima. 

-Não tenho nada de herói, e muito menos de super. Mas posso acabar com você sem dificuldade alguma! 

Atrás de mim, Melody corria para ajudar Merith. Ela estava despertando, graças a uma pequena ajuda de duas criaturas amigas. 
Lief abaixou a espada, cortando o ar, substituindo-o por uma linha de chamas devastadora, tão poderosa a ponto de derreter o chão. Por pouco, consegui desviar. Mas meu arco, já era.

-O quê estava dizendo? - Lief usou o mesmo ataque novamente.

Eu sabia o jeito de derrotar Lief. No meu estado atual, só havia um. Mas eu queria muito não precisar dele. Caso eu fracassasse, eu não sei o que aconteceria. Ele poderia manipular Melody para juntar-se a eles, basta ver o resultado de sua transformação. Todos foram abatidos em questão de segundos.
Eu precisava ganhar tempo, assim Melody poderia usar alguma magia para pará-lo, ou então, despertar os nocauteados.
Parei de correr na frente de Scarlet. Ela não se movera, continuava parada. Ela não era páreo para ele, não com a pedra em mãos. Caso Lief ousasse atacar, Scarlet seria atingida junto comigo. Eu não pereceria sem levar uma alma maligna comigo. 

-Selion, você não está pensando em... - Melody não pôde concluir sua frase, era tarde demais - Espere, não! 

Escamas cobriram meu corpo. Em meu peito, eu sentia um calor intenso, uma chama ascendendo dentro de mim. Meu corpo se tornou mais forte, alcançando um padrão superior ao humano.
Felizmente, eu não cresci mais do que o normal e de bônus, podia falar novamente. Mas algo acabou dando extremamente errado.

-Agora teremos uma luta interessante. - Lief declarou animado - Era nessa forma que eu queria te derrotar, Selion.

-Selion? Isso é passado. - a voz saía de minha boca, eu as falava com tom alto e claro, mas eu não pensava no que falava - Meu nome é Flamus, lembre-se disso. É o nome do dragão que te transformará em cinzas.

Eu fui derrotado antes mesmo da luta começar, por mim mesmo. Nesse momento sou dominado por uma força interior, mais resistente que Selion Grand Lux. Agora meu corpo pertencia à Flamus, meu eu-dragão. Os instintos me dominaram novamente, de uma nova forma, eu presumo.

-Do quê está falando, Selion? - Melody indagou.

Meus instintos me dominaram. Essa frase retumbava em meus ouvidos.
Eu sentia coisas nunca antes sentidas em minha vida e tinha desejos por coisas que nunca antes dera atenção. Era como renascer. Eu não sentia vontade de mudar, talvez nem quisesse. Quem sabe eu nunca mais volte para meu antigo corpo? 

-Vou lhe dar uma chance de ouro. Pode fazer o primeiro movimento. Ataque com tudo que tem. - bradei com os braços abertos - Aguentarei o seu golpe mais poderoso.

-Selion, você viu o que ele é capaz de fazer agora? Isso é... - Melody foi novamente interrompida, dessa vez por Merith com seus medicamentos apressados - É loucura! - ela completou.

-Não se preocupe, eu sobreviverei. - mostrei minha face humana para ela por um momento, sorrindo - E assim que acabar, voltarei para você. Agora eu consigo entender o que sinto por você. 

-Cale a boca! Você vai confundir a cabeça dela! - Lief correu em minha direção.

-Melody, eu amo você. 

Dei uma última olhada em seu rosto, agora corado. 
Essa guerra... Já estava ganha. 

Se você soubesse contra quem realmente está lutando, Selion... Mas é uma pena. Ninguém vai sobreviver.

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